O erro é pensar que há um segredo, quando na verdade são dois segredos. São necessários dois para constituir um encontro, e o encontro é a única realidade, o resto todo é fantasma.
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O paradoxo do surrealismo: Por um lado, empenhado em destruir a arte burguesa, em destruir acima de tudo o artista, o autor, na disjunção da consciência que abra as alas do automático, abre o fluxo pro murmúrio da inspiração, pro manancial infinito de Maravilha escondido no avesso da realidade diurna, conjurando a arte minoritária por excelência, tornando a arte acessível para toda a humanidade. Todos somos capazes de sonhar; imaginar um Mito é um direito irremovível de toda comunitariedade. E toda comunitariedade é, por definição, contracultural. "Os escritores surrealistas (...) especificavam que, para eles, não tem lugar em um regime capitalista a defesa e a manutenção da cultura. Esta cultura, diziam eles, não nos interessa senão no seu devir, e ese mesmo devir necessita antes de mais nada da transformação da sociedade pela Revolução proletária"(1). A "cultura" burguesa é civilizatória, estatal, pois busca antes de tudo congelar um certo estado das coisas, preservar um "patrimônio", enquanto simultaneamente esvazia a sociedade de toda vitalidade. A "cultura" burguesa está sempre contra o corpo, está sempre em busca de erigir um ideal transcendente (portanto incorpóreo) de belo, de educado, de - enfim - civilizado, em contraposição às forças caósmicas da barbárie, em contraposição ao poder transformador do encontro. Por isso toda comunitariedade é contracultural - pois a comunitariedade é a mãe da invenção. O paradoxo está em, por outro lado, Breton clamar pela "OCULTAÇÃO PROFUNDA E VERDADEIRA DO SURREALISMO"(2), assim em caixa alta, bradando "Abaixo os que queriam distribuir o pão maldito aos passarinhos."(2) "A aprovação do público deve ser evitada acima de tudo. É absolutamente necessário impedir o público de entrar, se quisermos evitar a confusão. Acredito que é preciso mantê-lo exasperado à porta, através de um sistema de desafios e provocações."(2) Para manter seu caráter radical, o surrealismo precisa acima de tudo evitar a banalidade das categorias, e ao fazê-lo, demonstra sua ascendência Nitzscheana, sua anarquia coroada. Para ser verdadeiramente de todos, é inevitável passar pelas minorias, pois ninguém é a maioria. Não há um homem sequer na terra que seja um homem vitruviano, não há nenhum caso que seja verdadeiramente universal, cada caso é um encontro singular e irrepetível. O não-espaço do encontro: esse “entre as coisas [que] não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio”(3)