Estou em um grupo de "sabiopostagem", onde a graça é pagar de profundo, meio de verdade, meio ironicamente. E as vezes não sabemos bem se é caso de um ou de outro. Um meme que vi hoje lá dizia: "Historiadores podem lhe dizer qual o dia em que pela primeira vez houve um avião no céu. Mas não sabem lhe dizer qual o último dia onde não havia avião algum no céu".
Para pra pensar. Faz bastante sentido: em algum momento após o primeiro vôo, é provável que o avião ficou no hangar, e em lugar nenhum do mundo haviam ainda aviões. Houve um belo dia desses que foi o último. Desde então, e até agora, sempre tem havido aviões no céu.
É fácil observar as coisas que são presentes; nem sempre é fácil observar as ausências. Fazemos a história dos eventos, mas há também uma outra história não contada, história de fundo das não-coisas e das rachaduras entre os eventos.
Nos próximos dias, o Sol se aproxima da oposição com Saturno. Em sua cola chega Mercúrio, e entre domingo e segunda, ambos passam pelo crivo duro de Saturno. Tanto o Sol quanto Saturno estão nas próprias casas, ou como dizemos em jargão astrológico, "domiciliados". Um planeta domiciliado tem tudo que precisa pra gerir seus assuntos. Um planeta domiciliado cumpre a sua função no todo, segundo sua natureza.
Como é possível, então, que estejam opostos? Se cada um está certo em seu próprio domínio, porque se chocam? - devo torcer pra quem? Sol e Saturno em signos fixos, rígidos. Não há planeta pra mediar a oposição; não há compromisso. "Mas então, quem é o mocinho?" - ah! Que obsessão temos com essa rígida dualidade! Mas respondendo: o mocinho é o Sol, é claro. Herói dourado, símbolo da vida, ser Uno que através de Mercúrio anuncia a verdade. "É desse lado que quero estar então". É verdade esse bilhete? Não há foco de luz que não projete, ele também, longas sombras.
Ah! Essa vontade de ir direto ao ponto, desenhar em linha reta, sem nunca vacilar, sem nunca hesitar, sem nunca sonhar. Leão, a casa do Sol, não é um signo humano. O Leão é a grande besta, e se ele governa, é porque está no topo da cadeia alimentar. Errar, como sabemos, é humano. Não é bonito; é humilhante dar com a cara na parede, se perder nas próprias sombras, adentrar o labirinto, trancar a porta e o peito, duvidar. O monoteísmo odeia a dúvida. Se Deus é uno, como é que podem haver várias fés? Elas só podem então ser armadilhas, ilusões criadas pelos espíritos que vivem debaixo da terra. Como são fundas as raízes que nos prendem ao chão - quanto sangue essa terra já não bebeu...
Dizem que os pés de Buda Shakyamuni não tocavam o chão. Mas pra nosso benefício, o Buda tinha antes nascido como várias gentes, como vários bichos, como todo tipo de ser pequeno e grande, nesse mundo e em outros. E de todas essas voltas no labirinto do Samsara extraiu uma palavra que explodiu no tempo como uma supernova: "anatta": a ausência de um Eu.
Este si-mesmo, esse centro que organiza nosso mundo, é em verdade uma ilusão tirânica que usurpa nossa vida. Não há, segundo o que entendo dos ensinamentos de Buda, uma alma realmente contínua, uma substância ou essência que salte de vida a vida. A passagem de uma vida à outra é como uma vela que é usada pra acender outra vela; o fogo da primeira não foi realmente transferido à segunda. É tudo vazio, tão insubstancial como o tecido de um sonho. E no entanto, tão focados estamos a observar o show de Mara, a ilusão, com suas inumeráveis formas que nos seduzem ou aterrorizam - que nos passa desapercebido este fato gritante. Não há, hoje mesmo, aviões a voar no céu...
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Iago Pereira
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