Ontem finalmente assisti Bacurau e posso dizer que Iago está agraciado. Um filme que em 15 minutos consegue envolver velório de avozinha querida no interior do nordeste, disco voador e psicotrópicos certamente está na pista certa. Há um ar Jodorowskiano em tudo, desde a abertura com o planeta visto de cima, desde a segunda cena - quando o caminhão de água atropela vários caixões caídos na estrada.
O filme dá uma guinada quando somos apresentados aos antagonistas, e em certa medida a cidade Bacurau sai de cena, o que me incomodou pois nesse ponto eu tinha criado a expectativa de que ia descobrir tudo sobre a cidadezinha e seu povo. Ao fim do filme a cidade segue misteriosa, o que é uma solução fácil: permite que (dentro de certos contornos) cada um projete o que quer ver.
Em contrapartida o filme se torna uma estranha sobreposição, de um lado um filme americano de armas e tiros e carro que explode, do outro a vida como a gente conhece no Brasil interiorano. Numa cena brilhante um personagem recebe o típico vilão americano com suco de caju e caldo de galinha numa mesa. Isso tudo sem degenerar em mera caricatura, pelo contrário há um carinho palpável da produção pela cidade de Bacurau e seus habitantes. A cidade realmente convence, e isso sustenta o contraste que é pilar do filme. A interpolação de gêneros coloca esse filme firmemente em uma dimensão pós-moderna, e o filme funciona como um comentário em dois planos: um no conteúdo da história, e outro na forma como é contada.
Um filme verdadeiramente tropicalista, mixando passado e futuro, urbano e interiorano, nacional e internacional. Bacurau se passa no futuro mas é sobre o passado, verdadeiramente; sobre lembrar o nosso passado e quanta força temos enterrada. Ali num simples museuzinho de cidade histórica estão sepultados rebeldes, bandidos, cangaceiros. Desprovidos dessa força, ou talvez, com essa força desprovida de foco - o mundo não se torna menos violento, mas pelo contrário: a violência continua a nos rondar de todos os lados - nos programas de polícia na TV, no fascínio do crime organizado, no culto fascista-miliciano à morte. Desprovidos de dentes e garras apenas nos tornamos presa, submissos aos caprichos de quem desaprendeu a amar.
Estamos sitiados. Estamos sendo invadidos. Eles tem o mundo nas mãos, estão aqui e não estão pois o poder é global. Nossas redes de comunicação - que de certa forma nos empoderaram - pertencem também a eles. E pode chegar o momento onde vão nos riscar do mapa. Bacurau decidiu virar o jogo - gostaria de saber se posso contar também com o resto do Brasil...
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