Aleksander Rodchenko, Maquette for War of the Future, 1930 |
é precisamente a falta de um.
Imagine um pulha que não liga pra nada. E ele tem armas.
Ele toma pra si terras e máquinas. Ele abre pros outros trabalharem nelas - quer dizer, trabalhar pra ele. Nos termos dele.
Ele tem dinheiro. Mas esse dinheiro só significa alguma coisa pois garante acesso à comida, moradia e diversões, que por sua vez dependem de terras, máquinas, e gente trabalhando nelas. Gente botando fé que trabalhando nelas, vai poder ter acesso a casa, comida e diversão.
E só há terras e máquinas pra as pessoas trabalharem se há armas pra conquistá-las e depois defendê-las de outros pulhas.
Então, dinheiro é uma forma organizar os saldos do poder armado.
Ou seja, dinheiro não é sobre troca: é sobre conquista por meio da força das armas. E as armas tão na mão de um pulha que não liga pra nada. Deus, a Terra, a vida, o amor. Ele liga só de manter o que conquistou, e conquistar mais ainda.
Isso é o capitalismo.
Isso não é um sistema social.
Mentiram pra você. Sociedade envolve juntar-se pra construir algo que seja de valor para todos, ou pelo menos tentar. Algo que faça sentido, que proveja a vida de sentido. Que conecte o ser humano ao mundo que o cerca, aos outros seres da terra, aos seres invisíveis, aos mistérios de sua vida e sua morte. Sociedade envolve respeitar um passado e possibilitar um futuro, ou pelo menos tentar.
Nem sempre funciona, nem sempre é bom. Certamente não pra todo mundo!
Quando o mundo era teocrático - falo da idade média européia - bem ou mal, havia sociedade. O valor que se buscava "para todos" era Deus. Um mundo organizado pelos sacerdotes em prol de uma moral religiosa.
Quando o mundo era "tribal", falo de sociedades sem estado, havia sociedade. O ser humano cooperava (e de quebra competia, guerreava) em bandos, segundo as normas ditadas pelos espíritos e pelos ancestrais.
Nem todo mundo era feliz, as vezes bem poucos eram felizes. Algumas sociedades entraram em colapso, ou foram varridas pelo tempo. E não tenhamos dúvidas, a violência, as armas, as terras, as máquinas, de uma forma ou de outra sempre estiveram em jogo. Não estou idealizando nada.
Mas tudo isso é diferente do capitalismo. Porque na base de uma sociedade, e também em seu ápice, há valores. Apoia-se em valores, produzem valor.
Na base do capitalismo, há apenas as armas. Como fim, não há nada em específico.
Em uma sociedade, busca-se um modo de viver. A ética e a estética de uma existência.
O capitalismo busca apenas sobreviver.
Por isso não é possível "derrubar" o capitalismo, como se derruba um rei. Como se destrói um valor, um mundo, um reino. O capitalismo não tem valor nenhum. O que o capitalismo oferece é simplesmente quantidade.
Ele é como um bolor; cresce "sozinho" quando não há sociedade pra ocupar um dado espaço. E quando há, ele cresce nas margens, nas fendas, ocupa cada brecha. Ele é o próprio vazio.
Não é possível derrubar o capitalismo meramente se opondo a ele. Não há nada pra se opor. É preciso sermos capazes de afirmar, coletivamente, valores que possam dar origem a uma sociedade. De preferência, valores melhores do que aqueles propostos pelas sociedades patriarcais e enrijecidas que nos antecederam.
É preciso afirmar valores poderosamente o suficiente à ponto de, por exemplo - preferirmos plantar a própria comida em bando, ao invés de comprar comida envenenada & convenientemente dispostas no supermercado em plásticos que virarão lixo.
É preciso afirmar valores poderosamente o suficiente para produzir materialmente a nossa vida (roupas, máquinas, insumos) sem nos fiar em trabalho escravo feito num rincão mais infeliz do mundo. E ter a coragem de resistir com a vida, se necessário, quando tentarem tornar nosso rincão assim infeliz, nos fazendo de escravos.
Os valores precisam triunfar sobre a comodidade e a conveniência. Afirmar valores é a própria definição de potência.
O capitalismo é o triunfo da conveniência, do "dá na mesma". Ele cresce na impotência, isto é, onde há os graus mínimos da potência.
Para triunfar frente ao capitalismo, o ser humano precisa recuperar sua potência.
Lucas Ero, "Barroco Cyberpunk" |
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