segunda-feira, 30 de dezembro de 2019
Caracol [Céu da semana - 29 de Dezembro de 2019 a 4 de Janeiro de 2020]
Mercúrio chegou em Capricórnio. Mais dias de chumbo, janeiro adentro inclusive. Mas agora Mercúrio saiu do exílio, e as falas ganham a gravidade de quem escala montanhas; não dá pra se apoiar em pedra solta. A primeira tarefa de Mercúrio nessa nova casa é re-organizar Júpiter, com quem vai se encontrar ma quinta-feira. Na hora de botar as promessas na prática; na hora de achar uma âncora pras esperanças - novos problemas se colocam, e com eles novas soluções. Resolver um problema é questão de ficar com o problema, suportar sua opacidade, acostumar-se com sua sombra. Por um lado temos também Saturno na casa, que tem seu domicílio em Capricórnio e por isso é capaz de distribuir paciência e disciplina. Mas a ordália não será fácil, já que temos em Capricórnio também o Nodo Sul, o rabo do Dragão que serpenteia de lado a lado e drena a força dos planetas.
Hoje, segunda, quem cruza o Nodo Sul é o Sol. Na sexta será a vez de Mercúrio. Os dois planetas que significam a inteligência diminuídos. Pra quem tá de férias pode manifestar como pequenas frustrações no aspecto financeiro, e talvez cansaço da viagem. Pra quem tá trabalhando o perigo é a exaustão mesmo. Todo mundo sabe que Capricórnio é um signo meio workaholic, então meu lembrete será no sentido de marcar na agenda um tempo pra fazer coisa a toa.
Outra mudança importante é a virada de Marte pra Sagitário na sexta. O planeta da guerra sai de sua casa, Escorpião, um signo fixo de água, e entra em Sagitário, um signo mutável de fogo. A temporada dos maléficos domiciliados vai acabando, o que não chega a ser boa notícia ainda, já que os benéficos estão em situação medíocre e ainda estarão por mais um tempo. Mas é bom ter um respiro da guerra constante e obsessiva de Marte em Escorpião. Em Sagitário o planeta do ferro e do fogo coloca sua lâmina a serviço da religião e das ideologias, em nome do bem comum. Mas lembremos que Júpiter, o dono da casa, se encontra presentemente destroçado em Capricórnio. Se tem dúvida de sua fé, não vai ser queimando bruxas e infiéis que você vai recuperar a chama no coração. A integridade realmente é a maior fonte de força em uma luta, mas também a mais fácil de se perder - se se deixar embriagar pela vaidade da superioridade moral.
A semana começa com um trânsito suave da Lua em Peixes, onde só faz aspectos macios. A noite do reveillon, na terça, tem a Lua indo de encontro a Saturno, que não é receita pra boas farras: sugere mais tranquilidade e contemplação (quem puder passar nas montanhas olhando as estrelas, achou a receita perfeita). O momento da virada tende a ser o mais alegre, entre 23h e 1h da manhã, mas lá pelas 3h é provável que as festas dêem uma bela esfriada.
Quinta e sexta a Lua transita em Áries, onde reencontra todos os planetas em Capricórnio, dessa vez com uma quadratura. Passado o reveillon janeiro já começa a chover nas nossas cabeças na base da pedrada. O ápice é na sexta, com a quadratura da Lua com Saturno, mas no sábado o clima relaxa de novo durante a tarde: a Lua entra em Touro e só encontra aspectos macios ou com planetas benéficos até domingo.
E assim termina 2019, com um céu denso e terroso, perspectivas minguadas mas também uma grande força de materialização e de resistência. Saturno, que governa Capricórnio, odeia as coisas frágeis, mas adora as que resistem a seu aperto, como tartarugas e caracóis. Então vamos nos arrastando festas adentro, fresta adentro, janeiro adentro, secura adentro, ao ritmo dos caracóis...
Iago Pereira
(imagem: Leonora Carrington, "Snake Clock")
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segunda-feira, 23 de dezembro de 2019
Gestos, Chaves e Nomes [Céu da semana - 22 a 28 de Dezembro de 2019]
Já era de tarde quando a Lua deixou Escorpião, signo de sua queda, e o mundo pode voltar a respirar. Pro natal fomos abençoados com uma Lua em Sagitário, signo de dádivas e filosofia. Mas é como uma ilha no terror que está os céus, e vai estar ainda por uns bons vinte, trinta dias. Pra quem não vem acompanhando: 5 dos 7 planetas em signos governados por maléficos. Agora, temos dois maléficos domiciliados, Marte e Saturno, o que nos permite um bocado de força pra aguentar, coragem pra enfrentar e malícia pra lidar com o mal. Mas todo esse poder negativo nos ajuda apenas a isso, sobreviver, e da vida e seus motivos, da fé no mundo ou no céu, do teatro invisível da criação - não ficamos sabendo nada.
Encontro consolo na idéia de que Capricórnio é um signo enigmático; assim como Sagitário, os únicos dois a que o astrólogo da antiguidade Vettius Valens dá essa alcunha. Quando o céu fica cor de chumbo, ao invés de sonhar e sofrer as com esperanças perdidas, sou chamado de volta a realidade pela noção de enigma. Estive relendo o Hobbit, o conto que o velho Tolkien cunhou pra suas crianças e depois transformou em livro. Em certo momento o pequeno hobbit está em uma caverna escura e úmida, totalmente perdido e esfomeado, onde é encurralado por um habitante da caverna, o decadente Gollum, que lhe desafia pra uma competição de enigmas. E o que é um enigma? No livro, os enigmas são em verso; meio punhado de versos que descrevem algo, de forma poética e nada óbvia. Um pedaço do mundo colhido como uma flor.
terça-feira, 17 de dezembro de 2019
De cavernas e suas saídas [Céu da semana - 16 a 22 de Dezembro de 2019]
Três eventos marcam essa semana.
O primeiro deles é o sextil de Saturno e Marte, que se completa na quinta-feira, mas que se faz sentir já na quarta, por causa da Lua. O sextil é um aspecto harmônico; o que quer dizer que a luz de ambos os planetas é "afinada" uma com a outra. Marte e Saturno são os chamados planetas maléficos, pois tratam das coisas duras. Chegou a hora de vestir a armadura, o escudo, afiar a espada e marchar em frente pra 2020. As forças estão congregadas em Capricórnio, signo de terra móvel que dota seus nativos de ambição e método. Marte em Escorpião contribuiu com estabilidade, um objetivo fixo para os passos, a paciência para lutar toda uma vida se necessário. Os maléficos seguem predominando em sua influência nesse fim de ano, mas como estão ambos em seus próprios domicílios, sofremos um pouco com o clima duro, implacável, mas também temos chance de definir limites, lutar pelo que é nosso, lutar pra se proteger, dizer NÃO para aquilo que diminui a vida.
Em seguida, Vênus deixa Capricórnio e atinge Aquário, na sexta. Com a Lua então em Libra, casa de Vênus, a mudança será bastante palpável. Capricórnio, onde Vênus passou as últimas semanas, é um signo enigmático, e viemos portanto montando nossos amores como quebra-cabeças. Mas eis que sempre sobrava um buraco, uma parte móvel vazia, peça faltando; em Aquário será possível habitar o próprio vazio. Eis que agora não é o vazio que se move, nunca foi - e sim tudo que girou ao seu ao redor! E o desafio é fazer caber um amor totalmente outro, uma arte totalmente outra, num mundo que odeia a incerteza e a descoberta. Vênus vai passar a virada em Aquário, e fica lá até o terço final de janeiro.
sexta-feira, 13 de dezembro de 2019
Correm e se encontram [nota astrológica]
Nessa sexta a Lua transita em Câncer, sua própria casa, e vai de encontro a Marte.
As águas do mundo se separam e se encontram.
Correm entretanto sem deixar de ser unas; correm entretanto sem deixar de sentir cada despedida como um corte em sua carne.
Iago Pereira
(imagem: Renè Magritte, "Grande Família" - 1963)
quarta-feira, 11 de dezembro de 2019
O que não se discute [Céu da semana - 9 a 15 de dezembro de 2019]
Mercúrio entrou em Sagitário nessa segunda-feira. Sagitário é seu exílio, o signo mais distante de uma de suas casas (Gêmeos). Mercúrio, senhor da lógica, fica à deriva quando chega em Sagitário, fusão misteriosa de deus e bicho, com patas de cavalo, asas e torso humano, e uma flecha fundindo tudo isso em um único feixe. Pra se mover em Sagitário é preciso saltar, de outra forma nos enredaríamos em uma trama infindável de afirmativas, réplicas e tréplicas, onde o essencial desaparece na forma. A intuição é quem guia este Mercúrio, e seus projetos são do tamanho do mundo, eles tem um centro e uma margem - o problema é chegar daqui até lá, mirando alto demais ou baixo demais de ambas as formas erramos o alvo.
Na terça finalmente ocorre o encontro de Vênus com Saturno em Capricórnio, uma mútua recepção entre a Deusa do Amor e o Deus dos Limites. Os desejos ganham forma, os gostos encastelam, as diferenças aparecem, eu aprendo a dizer não, eu aprendo a desconfiar, eu aprendo a temer, eu me fecho para o amor por conta do medo ou eu abraço a fera, encaro a sombra e visto a carapuça. Vênus sitiada entre os raios dos maléficos, o amor tenta nascer frágil em meio ao solo seco, é preciso resistir, é preciso paciência e muito trabalho nas raízes. Trabalho demais que pode até cansar e acabar com a graça, de que serve um amor que é fardo. Mas agora Vênus escapou, a mútua recepção com Saturno continua por mais uns dias e se algo saiu vivo da batalha paciência, pois há de brotar.
domingo, 8 de dezembro de 2019
A Lua cai mil vezes [nota astrológica]
Hoje a Lua cresce em Touro, signo de sua exaltação. Lua generosa, Lua do folk e da montanha cheia de orvalho, Lua bucólica e raiz... Pés na terra e em movimento, fogão a lenha e cigarro de palha ruminando toda a amplitude do que é.
E no entanto aplica uma oposição a Marte em Escorpião, o planeta vermelho das guerras e venenos. Se tem uma coisa que a terra é cheia é de escorpião. E num mundo manchado de sangue, toda fartura só pode existir em guerra, e isso em diversos sentidos, a guerra social dos ricos contra os pobres, a guerra da virtude contra a pequenez de espírito.
A imagem que escolhi pra esse post chama "A Lua cai mil vezes" e isso diz tudo, quem é que nunca falhou, o sucesso é um caminho de fracassos, e no entanto a Lua cresce, a vida cresce, ainda mais incrível e improvável dessa forma, desafiando os finais com mais um ciclo, mais uma lunação, mais um mês e um dia com os astros girando e a terra brotando e a alma buscando!
Atrás de Marte tem um trígono com Vênus. A Lua convidada de honra vai de encontro a senhora de sua casa, a dona da casa de Touro; Vênus feita hoje imortal pela Lira, já que transita sobre Vega, alfa da constelação da Lira. Esta é a lira de Orfeu que comunica a beleza do mundo aos quatro ventos. Este canto abre um caminho pela escuridão, esse canto dobra a espada de Marte e amacia o solo sob nossos pés - e nossas quedas...
Iago Pereira
(arte: Naeemeh Naeemaei, "The moon falls a thousand times" 2019)
terça-feira, 3 de dezembro de 2019
Começo do fim [Céu da semana - 2 a 8 de Dezembro de 2019]
Ontem começou uma semana difícil no céu - com o Sol transitando por Antares, o coração do escorpião, uma estrela famosa por sua violência.
E Júpiter entrou em Capricórnio, o signo de sua queda. Capricórnio é signo do bode, de ferro e de chumbo. Este é o Júpiter natal de Karl Marx, na casa 12 de seu mapa - a casa dos inimigos, Júpiter que era seu inimigo: a riqueza que se torna acúmulo e segregação; o falso paraíso na terra vivido pelos exploradores; a caridade superficial e o moralismo que vem bloquear uma mudança mais profunda, uma mudança na estrutura.
Nesse mesmo dia fomos recebidos por relatos de atos horrendos da polícia na favela de Paraisópolis - induzindo o pânico, agredindo a esmo, impedindo o socorro, tripudiando, e enquanto isso uma parte do povo aplaude como porcos ensandecidos. 9 adolescentes morreram pisoteados, e não sabemos quantos mais saíram feridos e humilhados.
O ano se aproxima de seu encerramento, um ano bizarro de águas manchadas com lama e petróleo, precarização de direitos e ascensão ao poder dos piores entre os nossos. E se com Júpiter em Sagitário tivemos isso tudo, faz sentido temer o ano vindouro - onde vamos poder contar muito pouco com a ajuda do grande planeta benéfico. Mas calma que ainda vem a temporada de eclipses em dezembro-janeiro, pra fechar este ato e abrir o próximo. Em termos astrológico este é o fim do fim de uma era de 200 anos, onde Júpiter e Saturno vão mudar seus encontros dos signos de terra pros signos de ar. Os finais, na astrologia e na história, raramente são fáceis, e 2020 em grande medida é isso, a ruína e o túmulo de um mundo cuja validade já venceu. Cabe gravar um bom epitáfio e começar a arejar as idéias pro que vem lá.
domingo, 1 de dezembro de 2019
Bacurau é o Get Out! Brasileiro
Ontem finalmente assisti Bacurau e posso dizer que Iago está agraciado. Um filme que em 15 minutos consegue envolver velório de avozinha querida no interior do nordeste, disco voador e psicotrópicos certamente está na pista certa. Há um ar Jodorowskiano em tudo, desde a abertura com o planeta visto de cima, desde a segunda cena - quando o caminhão de água atropela vários caixões caídos na estrada.
O filme dá uma guinada quando somos apresentados aos antagonistas, e em certa medida a cidade Bacurau sai de cena, o que me incomodou pois nesse ponto eu tinha criado a expectativa de que ia descobrir tudo sobre a cidadezinha e seu povo. Ao fim do filme a cidade segue misteriosa, o que é uma solução fácil: permite que (dentro de certos contornos) cada um projete o que quer ver.
Em contrapartida o filme se torna uma estranha sobreposição, de um lado um filme americano de armas e tiros e carro que explode, do outro a vida como a gente conhece no Brasil interiorano. Numa cena brilhante um personagem recebe o típico vilão americano com suco de caju e caldo de galinha numa mesa. Isso tudo sem degenerar em mera caricatura, pelo contrário há um carinho palpável da produção pela cidade de Bacurau e seus habitantes. A cidade realmente convence, e isso sustenta o contraste que é pilar do filme. A interpolação de gêneros coloca esse filme firmemente em uma dimensão pós-moderna, e o filme funciona como um comentário em dois planos: um no conteúdo da história, e outro na forma como é contada.
Um filme verdadeiramente tropicalista, mixando passado e futuro, urbano e interiorano, nacional e internacional. Bacurau se passa no futuro mas é sobre o passado, verdadeiramente; sobre lembrar o nosso passado e quanta força temos enterrada. Ali num simples museuzinho de cidade histórica estão sepultados rebeldes, bandidos, cangaceiros. Desprovidos dessa força, ou talvez, com essa força desprovida de foco - o mundo não se torna menos violento, mas pelo contrário: a violência continua a nos rondar de todos os lados - nos programas de polícia na TV, no fascínio do crime organizado, no culto fascista-miliciano à morte. Desprovidos de dentes e garras apenas nos tornamos presa, submissos aos caprichos de quem desaprendeu a amar.
Estamos sitiados. Estamos sendo invadidos. Eles tem o mundo nas mãos, estão aqui e não estão pois o poder é global. Nossas redes de comunicação - que de certa forma nos empoderaram - pertencem também a eles. E pode chegar o momento onde vão nos riscar do mapa. Bacurau decidiu virar o jogo - gostaria de saber se posso contar também com o resto do Brasil...
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