sexta-feira, 12 de agosto de 2011

De um só fôlego:


"o sentido da vida é viver, e viver significa estar consciente,
jubilantemente, embriagadamente, serenamente
consciente" (Henry Miller)


1 - as costas em chamas; piratas!

Eu acho que uma boa razão para se piratear informação é tornar a arte institucional - e seus derivados da indústria cultural - um mau negócio. "Os artistas vão ficar sem dinheiro", gritam os pop stars e os oportunistas. Balela. Começo dizendo que os melhores artistas fazem o que fazem porque lhes é um imperativo, uma necessidade biológica, uma chama que vem de dentro ou um vento que sopra do futuro em seus ouvidos - eles farão o que fazem ganhando dinheiro ou não. Eles são fetichistas, são tarados, pela criação e seus requintes - pela invenção, pelo detalhismo, pelo aprofundamento. E portanto os músicos contraculturais coexistem nas galerias subterrâneas com os nerds que fazem da programação uma arte - e com isso, formentam a cultura open source.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Post onde respondo a "15 perguntas que as feministas não sabem responder", parte 2

"Um orgasmo é melhor que uma bomba." (fonte)


Na primeira parte desse texto eu defini feminismo como "teoria e prática do combate ao patriarcado", sendo que o patriarcado não é o machismo, nem são os homens - e sim a estrutura que organiza, sobrepõe, corpos e palavras, desde o início uma estrutura de violência contra a mulher. Começamos então a caçar pela economia, pela 'cultura' e por nossa história o que é exatamente essa estrutura. Aos interessados em ler a parte dois que não tenham lido a parte um, recomendo muito que voltem lá e leiam!

O patriarcado constrói tanto um mercado quanto uma hierarquia na qual nos situamos conforme investimos nosso desejo em sua estrutura. É uma questão de valores, de ganhar ou perder pontos simbólicos como se ganharia ou perderia dinheiro em um mercado. Como no mercado, é uma situação de escassez, que depende da escassez, FABRICA a escassez para se manter. Sabe aquele mote de que "você nunca pode ter o suficiente"? De que "quanto mais se tem, mais se quer"? Isso parece um senso comum de nosso mundo, algo tão natural quanto o ar que respiramos, mas essas colocações só soam verdadeiras por causa de um contexto histórico muito específico - por causa das contingências, dos acidentes, dos encontros históricos que deram origem ao mundo em que vivemos hoje.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Post onde respondo a "15 perguntas que as feministas não sabem responder", parte 1

Tá bom, eu explico.

Ontém eu topei no facebook com um texto (1) - convenhamos, bastante cômico - que propõe 15 questões "que as feministas não vão saber responder". De início pensei em me revoltar, do tipo, "qual é, esse cara tá me tirando, é isso que não vou saber responder? não é possível...?!", mas rapidinho eu cheguei a conclusão de que valia mais um alt+f4 com uma risada do que meter a mão naquele poço de ignorância humana. Era difícil até acreditar que ele tava falando sério. Ah, eu tenho uma vida pra viver além de ficar em duelo verbal com qualquer idiota. Mas depois voltei ao facebook e, vendo os comentários, descobri que as pessoas tavam naquele clima de "falou tudo!". O único comentário destoante na discussão toda era um (meio tímido) "ow, que blog idiota.", talvez pela mesma preguiça que tive de comprar uma briga dessas. Hoje decidi escrever. Na real, eu já tava querendo sintetizar o que penso em termos de feminismo há um tempo, e achei aí um motivo pra desembolar o texto. Não tenho a menor esperança de convencer o autor do texto (1), nem os caras que comentam no blog dele. Com sorte, eu afeto umas almas que já sintam um desconforto com discursos machistas como esse, mas não tenham aprofundado na teoria da coisa. Ou pelo menos jogo o nível da discussão um milímetro pra cima.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Como fiz para mim um Corpo sem Orgãos


"Conectar, conjugar, continuar: todo um 'diagrama' contra os progamas ainda significantes e subjetivos.  Estamos numa formação social; ver primeiramente como ela é estratificada para nós, em nós, no lugar onde estamos; ir dos estratos ao agenciamento mais profundos em que estamos envolvidos; fazer com que o agenciamento oscile delicadamente, fazê-lo passar do lado do plano de consistência. É somente aí que o CsO [Corpo sem Orgãos] se revela pelo que ele é, conexão de desejos, conjunção de fluxos, continuum de intensidades. Você terá construído sua pequena máquina privada, pronta, segundo as circunstâncias, para ramificar-se em outras máquinas coletivas." ¹

Doido de ayahuasca, em um sítio nas imediações de BH, deitado em um colchão abraçado a uma série de pessoas aquecendo-se com os corpos, enrolados em casacos e cobertores. Parafraseando Deleuze e Guattari: "Um lugar, uma potência e um coletivo". Conforme o chá começa a fazer efeito o Sonhar irrompe na consciência e se torna palpável; com ele vem uma confusão de sensações, intensidades, ondas de excitação, imagens vistas com olhos fechados e luminosidades coloridas geométricas com olhos abertos.


sexta-feira, 15 de abril de 2011

Ética de Bando - Parte I

primeira vez que posto aqui desde que o blog foi reinaugurado... e ainda por cima, nem é um texto completo, mas um pedaço de post. peço desculpas desde já aos leitores, mas a paternidade e a academia raramente deixam um tempo livre para outra coisa. assim que der, eu termino.


Introdução


Muito me surpreendeu ler no estatuto de uma associação comunitária de um bairro da cidade indígena de Iauaretê, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), que aquela era uma instituição sem fins lucrativos cujo objetivo era a produção de pessoas e da própria comunidade. O que mais me instigou à reflexão não foi o fato de eles se proporem a isso, mas o quanto nossa própria sociedade – cujo paradigma é a falta – deixa completamente de lado esse próprio aspecto. Quando falamos em produção, em produtividade, se imagina logo maquinarias técnicas, aço, Vale do Rio Doce. Parques não são produtivos, escolas não são produtivas (no máximo reprodutivas, e olha lá), bibliotecas e cerrados não são produtivos. Quando se fala em produção de pessoas, ou se coloca a educação como fator produtivo, é sempre enquanto produção para produção, ou pré-produção, se produzem não pessoas, mas mão de obra; não-pessoas.


sábado, 9 de abril de 2011

A Droga da Proibição


Esse vídeo me marcou não só pela coerência, lucidez e incisividade com a qual a profª. Gilberta Acselrad manobra a questão, mas pelo mero fato de que ela se recusa a responder as perguntas nos termos em que são pautadas. Geralmente, os discursos proibicionistas tanto na mídia quanto na ciência manobram um jargão meio importado das ciências médicas, com um lustre de "objetividade", enquanto valores estão sendo sutilmente veiculados. Por exemplo, logo na introdução à entrevista, a jornalista já solta que a situação do universitário deixa "os estudantes mais suscetíveis à essa vontade de experimentar drogas" - que diabos, onde mais se fala assim? Soa como "mais suscetíveis a contrair gripe". O usuário já é pensado desde o início na posição passiva, negando-lhe discursivamente a capacidade de reflexão, julgamento e de opção. Mas isso é só a ponta do iceberg, pois ao veicular as informações distorcidas e simplesmente inacuradas que as campanhas do tipo "diga não às drogas" veiculam, enquanto ao mesmo tempo se coíbe a pesquisa científica nesse campo, o estado está também cerceando de antemão a mera possibilidade de uma reflexão informada. O próprio termo droga adquiriu o significado tácito de "droga ilegal" na boca do povo, criando o efeito - na atmosfera de desinformação - de que todas as drogas (ilegais) são igualmente perigosas, viciantes e fatais; e, numa inversão que só posso considerar francamente delirante, elas são igualmente perigosas e fatais porque todas são "drogas ilegais", porque recebem a mesma palavra, a mesma designação jurídica, a mesma situação legal. O complemento silencioso é de que "se não fossem iguais, se não fossem perigosas, o estado não as teria proibido e as tratado da mesma forma, né? NÉ?" - pois não é.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Entre o sujeito e o objeto



A condição humana, por René Magritte

Nesse texto quero defender dois pontos. O primeiro é de que não podemos prescindir de erigir uma metafísica, conscientemente ou não, para poder elaborar qualquer pensamento. A segunda é de que só temos a ganhar caso a gente reconheça essa situação, e assuma o controle dela. O que está em jogo são os limites de nossa percepção do universo; algo que interessa aqueles que buscam as terras virgens que se estendem pra fora do consenso - por qualquer meio que seja: nas ciências, nas artes, na filosofia, na política, etc.
É muito comum que pessoas refiram a si mesmas como céticas, ou como científicas, e com isso pretendam o acesso exclusivo à verdade. Com grande frequência, esse ceticismo ou essa cientificidade não é caracterizado pela paciência observacional pra se chegar as conclusões: é apenas um atalho para o pensamento poder quietar-se e erigir sua casinha em algum lugar. O que quero dizer é que essas pessoas não são céticas no sentido de se colocarem a parte de suas próprias expectativas, e das dos outros, e observarem o que acontece no mundo - para aí elaborar um plano de interpretação e consequentemente de ação. Os pseudo-céticos ou pseudo-científicos defendem, de forma análoga às religiões, uma série específica de modelos ou visões de mundo como se fossem crenças - resultando em comportamentos dualista do tipo nós x eles similares a qualquer torcida de futebol.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Reciclo, logo existo

Aqui em casa a gente arranjou um esquema com um dono de um sacolão próximo pra reaproveitar à vontade os dejetos de frutas e legumes do sacolão, duas vezes por semana, em troca de varrer a área onde eles são armazenados e colocá-los pra fora à tempo da coleta de lixo. Essa prática, que a gente costuma chamar de "recicle", foi de longe a descoberta que mais me mindfuckeou esse ano.

Todo dia quantidades colossais de alimento que poderiam perfeitamente ser consumidos são jogadas fora por questões estéticas, por estarem com uma partezinha estragada, ou, com uma frequência surpreendente, por nenhum motivo que eu consiga imaginar. A gente pega comida suficiente pra alimentar por três dias uma casa com algo entre dez e quinze pessoas, enxendo um carrinho de supermercado até o talo; no processo, deixamos pra trás praticamente METADE das frutas e legumes que poderíamos reaproveitar, simplesmente porque não conseguiríamos consumí-las antes de estragarem.


Na verdade, o que é jogado fora nesses sacolões não é nada perto do que se desperdiça antes - nas grandes distribuidoras, tipo CEASA¹. E isso porque antes de chegar lá um monte de rango foi jogado fora nas próprias fazendas e no processo de transporte. Ou seja, o recicle do sacolão cobre apenas a pontinha da pontinha do desperdício, a pontinha mais próxima do consumidor final.

O peso no bolso

Semana passada eu perdi o recicle - todo mundo viajando, com a família, sabe como é - e por isso hoje fui forçado a ir comprar frutas. Acho que em 2010 eu fiz isso uma ou duas vezes no máximo, e em pequenas quantidades. E no processo de compra, eu tenho de novo a percepção do quanto eu economizo com essa bagaça de reciclagem! Duas bananas, três tomatinhos, duas cebolas, duas laranjas: R$ 4,10. Tá certo que comprei em um lugar particularmente caro, mas ainda assim. Duas vezes por semana a gente traz, aqui pra casa, pelo menos 20 tomates, 40 bananas, 15 laranjas, mais uma tonelada de batata, limão, abobrinha, berinjela, xuxu e jiló (tem quem goste), repolho e inhame, batata doce e abacaxi, goiaba e maçã e pera e até fucking morangos, uvas e kiwi (sem zoeira! mas ISSO não é sempre). Se eu fosse comprar esse hortifruti todo não saía meeesmo menos de 40R$, isso sendo conservador. Duas vezes por semana, quatro vezes por mês, deixa eu ver: no mínimo 320R$.