primeira vez que posto aqui desde que o blog foi reinaugurado... e ainda por cima, nem é um texto completo, mas um pedaço de post. peço desculpas desde já aos leitores, mas a paternidade e a academia raramente deixam um tempo livre para outra coisa. assim que der, eu termino.
Introdução
Muito me surpreendeu ler no estatuto de uma associação comunitária de um bairro da cidade indígena de Iauaretê, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), que aquela era uma instituição sem fins lucrativos cujo objetivo era a produção de pessoas e da própria comunidade. O que mais me instigou à reflexão não foi o fato de eles se proporem a isso, mas o quanto nossa própria sociedade – cujo paradigma é a falta – deixa completamente de lado esse próprio aspecto. Quando falamos em produção, em produtividade, se imagina logo maquinarias técnicas, aço, Vale do Rio Doce. Parques não são produtivos, escolas não são produtivas (no máximo reprodutivas, e olha lá), bibliotecas e cerrados não são produtivos. Quando se fala em produção de pessoas, ou se coloca a educação como fator produtivo, é sempre enquanto produção para produção, ou pré-produção, se produzem não pessoas, mas mão de obra; não-pessoas.
Saindo da axiomática capitalista e olhando para a proposta, dita revolucionária, socialista (socialista de partido, para ser mais específico), os termos não mudam tanto. “Temos que desenvolver as forças de produção”, dizem, “ainda não é hora, o bolo tem que crescer”. Se critica as universidades brasileiras por não serem produtivas porque os diplomados não vão trabalhar na iniciativa privada, não criam novas indústrias. A revolução, é o que pregam, tem que se apossar dos meios de produção (de bens), tomar os sindicados das indústrias, o proletário é o sujeito histórico. O Homem Novo? “Fica pra depois”, “depois da revolução a gente pensa nisso”. Certo dia a revolução vem (e já veio, e de novo), e as pessoas continuam ficando para depois.
Este ensaio trata de uma linha de fuga, uma ética outra de produzir o social. É um exercício de politicar outrement. Em um pequeno círculo argumentatório eu proporei umas plataformas sobre as quais repensar o esquecido.
Bando e Pessoas
Um bando é um corpo de gente, ou um aspecto do corpo. Corpo é um todo de gente. Uso a palavra-já-cansada corpo para designar um conjunto que a Magia Negra de Platão tinha separado. Não mais corpo/alma//indivíduo/social//orgânico/cultural. Tudo isso é corpo, e mais algumas coisas. Nossas roupas são nossos corpos, o computador, o celular; não apenas apêndices/ferramentas, tudo é corpo como tudo é rizoma. Um bando é um tudo de gente, ou um aspecto do tudo, reformulando. Pois nossos afins são nosso corpo também, e nossos inimigos também. Um bando é um grupo de pessoas unido pelo parentesco. O parentesco não é orgânico pois orgânico é algo que não faz sentido enquanto tal. O parentesco pode ser de idéias, de gostos, de paixões, de afinidades, de amizades e até mesmo sangüíneo. Um bando é um parentesco de tudo (de gente, claro). Gente é tudo considerado enquanto tal, bípede ou não, terrestre, aquático ou gavião, corpóreo ou de-visão. Um bando é um tudo em parentesco, um aspecto de gente.
Uma pessoa é um bando de gente, ou um aspecto de bando. Uma pessoa tem um corpo, mas um corpo é uma pessoa. Uma pessoa tem história, tem nome, tem sonhos; aquela história, aquele nome, aqueles sonhos são a pessoa. Eu não sou Lênon Kramer, mas Lênon Kramer sou eu. Pouco aristotélico, mas aqui a lógica é outra. Uma pessoa é um nó na trama, e é todas as linhas que transitam em afecção com ela. Tudo que me toca sou eu. Pessoa é gente de bando. Humano ou não-humano, tanto faz; pessoalidade não identifica espécie, que diferença faz? Biologia, sociologia: Quando as fronteiras são apagadas, os [E]estados não fazem sentido – e esta é uma proposta de uma nova política do ser.
Pessoas e Produção
Um bando tem por objetivo produzir pessoas. Ou seja, produzir a si próprio. As pessoas são produção de gente, um tudo de produção; produção é um aspecto de gente. Produção de pessoas, de nomes, de éticas, de corpo. Gente é uma produção contínua de corpo. Corpo é um tudo de produção, uma produção de tudo. Um bando é produção de parentesco, é produção de si próprio. Parentesco é um Modo de Produção.
Um bando é auto-suficiente em sua abertura para o mundo, é autônomo em sua interdependência. Um canibalismo simbólico, ritual, comer o corpo da sociedade da falta, instaurar na falta uma nova abundância.
o que está por vir no próximo capítulo:
Produção e Ética
Ética e Bando
Considerações Finais
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