segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Máquina Delirante Gato-Rato













mente-gato:

a paisagem é plástica, colorida;

cubos de almofada

de faces coloridas

com letras e números

pequenos fios pendentes dançando ao vento

um chão carpetado,

afiadores de garra

buracos semicírculo no rodapé

o mundo é um playground

e as pequenas coisas se movem

capturando, fascinando,

o gato em um transe sádico.


mente-rato:

mente-presa

rápido fugir; 

descer entre os canais

esgueirando-se, apequenando-se

o mundo é um transe paranóico

focinho que estremece eletricamente

do nada surge, bagos crescendo até explodir

rápido se foi. e são seus filhos,

e os filhos dos filhos

continuando o estalar por aí.


é preciso levar ambos em conta

para que possamos produzir

um


MANIFESTO-AUTOMÁTICO:


O mundo se sustenta sobre o automático.

As forças que te possibilitam nesse tempo-espaço

as forças físicas, biológicas, históricas,

o tempo-espaço mesmo e o que quer que o atravesse

se manifestam automaticamente.


O que é de se estranhar é que haja esse singular efeito de invaginação,

esse oco ressonante que é o sujeito.

O que é estranho é que, do automático, aconteça a intencionalidade.

Automaticamente.


O que o gato e o rato tem em comum

a tal ponto que se possa delirar uma máquina gato-rato

é que o gato come o rato, e o corpo-rato

se converte em corpo-gato.


E por um longo e estranho circuito

(que posso chamar de Terra

mas seria mais correto incluir,

conexão por conexão,

o universo inteiro)

tudo reverte em mais ratos,

ao menos tem revertido

automaticamente.


Que corpo é esse capaz de comportar em si tanto a mente-rato

quanto a mente-gato

n'um mesmo delírio interconectado,

um mesmo mundo, um mesmo ser,

que hora experimenta a hora-gato e hora experimenta a hora-rato

alternância de gato e rato /  imenso tecido ondulante & estrelado

de repulsa & apalpar jubiloso,

teia-liame, bricolage

de fome, êxtase, terror,


e a esguia nobreza do gato

seu garbo, sua elasticidade

sua estética afiada,

aerodinâmica

é indissociavel da tortura do rato.


É isso, acho eu,

que o mestre-louco Artaud tentava explicar

quando nos falava da


CRUELDADE: 


A tortura do rato é necessária pra fazer do gato

uma entidade selvagem e misteriosa

de olhos brilhantes e profundos

gato-enigma.


Não há nada mais patético,

mais desprovido de ares

que um gato totalmente domesticado.

isso não lá bem existe,

embora alguns cheguem perto;

mas - imaginemos!


(o mesmo vale pras obscenas praças e jardins das cidades

onde atacamos a sede biológica de entrelaçamento selvagem

e, com sua fúria natural extenuada, dobramos as árvores

recortando suas folhas em formato esférico

não pisando na grama e não deixando a grama tomar o concreto

e isso pode ser bonito, interessante, curioso,

quando temos um mundo cheio de treliça verde abruptescente & serpenteante lá fora

mas não é esse nosso mundo. Nosso mundo é árvores redondinhas,

quando muito árvores!

É muros e quadrados pra todos os lados, quilômetros sem fim.

e as malditas câmeras de segurança e arame farpado.)


Talvez fosse disso que o Artaud falava como crueldade.

Nosso mundo redondinho não é, de longe, menos cruel.

Apenas recalcamos a crueldade e agora ela retorna a nós redobrada

ampliada em jogos de sombra. Um terrorista com uma bomba na mão;

milhões de imagens, teatro de fantasmas,

paranóia.

máquina-delirante-jornalística.


Os arames-farpado denunciam,

o osso cruel,

pontudo e exposto

que compensa o cetim polpudo dos interiores refinados.


SOMOS O GATO-RATO:


Somos o gato gordo castrado que fecha o mundo e suas riquezas num palácio vigiado

enquanto o que ainda está vivo, biologicamente ativo,

se esconde pelas brechas para respirar

e se apequena pra sobreviver.


no terceiro mundo, nas ruas, nos becos,

nas casas pixadas rodeada por muros opacos

com hortas abruptescentes nos quintais.


A modernidade e seus universais

construiu para nós a possibilidade de imaginar coisas incríveis

como direitos humanos

e feminismo

e ideologias libertárias.


Mas mais universal ainda que os direitos universais é o gato-rato automático,

que conecta-se a tudo e nada e a nada exclui

e é livre mesmo quando, em sua liberdade, produz prisão

segurando o rato pelo seu rabo.


É preciso aprender com isso e não tornar as nossas imaginações

uma ferramenta de ressentimento.

A falência do gato-esfinge é o gato-gordo;

a falência do rato-relâmpago é o rato-ressentido.


Porque, iluminismos à parte,

a humanidade é escrava de impulsos que lhes são estranhos.

Uma pessoa só pode se abster de matar,

mas nações assassinam impunemente. E constroem vírus, venenos e bombas-atômicas

contra seu próprio & mais profundo interesse vital.


Somos servos de impulsos que nos são estranhos,

delírios febris de gato-rato em cada policial

e também em moleques crescidos nos bairros pobres

com a crueldade escancarada em suas caras

e também em moleques crescidos em bairros ricos

com carrões e grana e mulheres

queimando índios em bancos de praça.


É particularmente cruel o fato de que não podemos escapar da crueldade.

Mas podemos escolher como lidar com ela.

Reconhecê-la, aceitá-la, entendê-la.

Optar por vivê-la, e deixar a treliça crescer;

optar por contê-la, e fazer belas árvores esféricas.

Dela fugir no serpentear crepitante de um rato;

nela caçar como um gato letal.


SE EU TIVESSE MIL DARDOS VENENOSOS SILENCIOSOS

TALVEZ ASSASSINASSE OS SENHORES DESSE MUNDO.


De seus corpos eu faria adubo e convidaria as ervas-daninhas a nascer!


Mas outros senhores iriam espontaneamente brotar, e tomar o ser lugar,

porque Walt Disney está morto mas a Disney, essa entidade,

continua

 seu rolê fantasmagórico pela história

movendo corpos e pessoas e idéias

para que continue a haver Disney.


Uma instituição, corporação, e o que o valha,

apresenta a vital característica da auto-preservação.


Quais as condições de brotamento de um senhor?

Em que temperatura média, planeta, ecosistema

cyberesfera, dinheirosfera, memesfera,

consegue nascer, crescer, locomover,

comer e reproduzir o Sr. Rockfeller?


Um trabalhador gira sua pequena rodinha privada em uma gaiolinha

- nhec, nhec, nhec, nhec, nhec -

A rodinha se liga a um conjunto de esteiras

   e roldanas

e em seu esforço conjugado com tantas outras gaiolinhas dispostas lado-a-lado

colossais braços mecânicos constroem mais gaiolas.

ele chama isso de liberdade.

    Eles bradam liberdade,

     SCREEEEEECH,

     esses ratos.


Mas eu só ouço guinchos. Eu não acredito em nenhuma palavra.

Eu só ouço guinchos por isso vejo torres de gaiolas e rodinhas e gatos gordos

uma ex-raça de predadores entediados

que em sua tristeza não sabem mais o que inventar

a não ser novos meios

de impedir que os ratos fujam pelos tubos.


Eu ouço guinchos mas bem porque não acredito neles,

vejo a estúpida fachada do mundo-propaganda que criamos.

Ridículo cupinzal compulsivo

se abrindo sobre o chão como uma rede mortífera

geoglifos elétricos noturnos fulgurantes,

aviões zumbintes, homens ocupados,

caminhoneiros e industrialistas

brincando de caregar blocos pra lá e pra cá

com seus gigantescos brinquedos de adulto.


E os acadêmicos e políticos e economistas brincam de adultos com seus faz-pipi.

Decidindo entre si como é o mundo, como deve ser o mundo,

em quem bater pra fazer que o mundo seja como é e como deve ser.

Sentados ao redor de mesas, ridículos ratos enfiados em ternos e gravatas,

todos achando que são ou que "representam" o fantasmagórico ESTADO NACIONAL

mas inevitavelmente estando em um lugar só por vez,

em uma perspectiva, um momento, um corpo, decidindo o abstrato

     sem jamais sair da mais impura concretude,

com intestino travado, pipiuzim duro e vontade de trepar, cu sem limpar,

suor nas axilas, lactobacilos vivos, lumbago, amigdalite, mau humor, peidorreira,

solitária nos miolos, 


guinchando uns com os outros, SCREECH, SCREECH, fazendo o fazer mais alto da civilização,

demonstrando sua profunda iluminação e sapiência, sua política, sua cultura, sua metafísica,

dentro das gaiolinhas que foram construídas pra eles

girarem suas rodinhas mentais, financeiras, diplomáticas, verborrágicas (SCREECH),


para que os braços mecânicos jamais cessem de trabalhar

para que os novos ratos encontrem sua gaiola e sua rodinha

que lhe sirva, que lhe caiba, que lhe estenda a liberdade

de girar sua rodinha por aí.


GATO-RATO NO ESGOTO DO MUNDO


Um rato fora da gaiola é um vagabundo, um parasita, ou mesmo um monstrinho

parafraseando a ilustre ex-candidata à prefeita municipal Maria Elvira.


O critério pra ser declarado um monstrinho são as crianças, diz a sapientíssima;

"criança adora cachorro, criança abraaaaça o cachorro, agora rato?

Rato é monstrinho."


E assim a reverendíssima inaugurará o serviço de envenamento de mendigos

pois criança não abraça mendigo. Nem cachorro sujo vagabundo e sarnento.

Ela terá como aliado meu professor de economia, cuja aspiração era erradicar a pobreza

por questões estéticas.


Os ratos agora querem ser higiênicos!

E higiene, pros gerentes do desespero,

significa varrer tudo que é feio pro esgoto do mundo

largando resíduos industriais na costa da somália

(e colhendo piratas)

ou, como tem feito o atual sr. prefeito de Belo Horizonte Márcio Lacerda

a roubar colchões dos mendigos do centro, as mochilas dos hippies da praça,

as casas ocupadas dos sem-teto, as terras dos quilombolas da Granja Werneck,

e oferecendo em troca hóteis de cinco estrelas

pra hospedar a aristocracia felina trasnacional

  e sair bem nas fotos da Fifa.


Ah!  Como é bela na TV a democracia. Mas as glórias do 'mundo livre'

mamam nas tetas suadas da escravidão chinesa,

a espetaculosa ALDEIA GLOBAL (flash! flash!) um mero round cataclísmico de mau-mau

na terceira divisão ganha é a melhor mula de carga,

quem vende o próprio solo, o próprio clima,

pros zumbis corporativos & a mística cadavérica do complexo industrial-armamentista.


Os mares estão podres! O esgoto cresce a cheirar mal! As tubulações estão repletas de monstrinhos.

Muitas vezes vivendo na merda.


Mas há aí um outro lado -- A gente subestima a merda!

Pois é da bosta que colhemos os sagrados cogumelos mágicos

que algumas culturas souberam reconhecer e honrar.

É a merda, e não o lixo hospitalar radioativo urbano,

que melhor serve de adubo

a uma Cultura Nascente da Terra.


EPILOGO



Em cada célula se alojou um rato-lume,

um vaga-trocinho de Diferença.

Na ciência

dessa microfauna, jaz a única esperança

para combater as nanomáquinas do poder!


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