quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Lunação de Virgem: o Oco da Terra e a Queda do Céu

Designs por Sonia Delaunay , fotogrfia por Edward Steichen , 1925

Na madrugada desta quarta-feira a Lua, já totalmente sem luz, encontrou-se ao Sol, dando início à outra lunação que irá durar pelos próximos 29 dias. A lunação destaca importância de Mercúrio, que assume também o comando de 5 dos 7 planetas que vagueiam pelos céus - Venus, Marte, Sol, Lua e Mercúrio estão todos em Virgem, o signo onde Mercúrio está em casa (domicílio) e em seu melhor estado (exaltação).

Virgem é um signo cuja qualidade é a terra mutável. A terra é fria e seca, ou seja, sua natureza é contrair-se ou conservar-se em si. Em seu estado mutável, permite que a matéria seja organizada e esculpida de maneira incremental e detalhada. Virgem é um signo pouco acolhedor pros planetas ditos benéficos, Jupiter e Venus: não há espaço aqui pra fusão ambígua dos opostos, voos altos e transcendência: o que há, e há de sobra, é a perfeição da técnica, a medida exata, o cuidado e o rigor.

O decanato final de Virgem, onde aconteceu o encontro do Sol com a Lua, pertence à Mercúrio. Se os decanatos anteriores tratam de plantio e colheita, este é um lugar já seco, de acerto de contas: a cerâmica saiu do forno, o serviço está pronto. É preciso agora cuidar de manter a integridade dos objetos, pra que possam continuar sendo usados. O sentido de um objeto é o seu uso: qualquer fixação além disso é excessiva e potencialmente prejudicial.

A imagem mágica deste decanato, segundo as fontes tradicionais possui um aspecto ameaçador:

"Na terceira face ascende uma mulher branca e surda ou um homem velho apoiado em um cajado; o significado disso é mostrar fraqueza, enfermidade, perda de membros, destruição de árvores e despovoação de terras". (1)

Para que "mostrar" essas coisas terríveis? Como nos narra o líder Yanomami Davi Kopenawa, os xamãs fazem descer as imagens dos espíritos maléficos para que elas possam trabalhar também no sentido da cura e da proteção. As imagens dos seres maléficos permitem desarmar o mal através da familiaridade com ele. Podem ser também usadas para lutar contra a injustiça. É por isso que miramos esta face: para desagarrar do inútil, do peso extra, e ajustar nossos "ganhos" com nossos "gastos", tanto num sentido contábil, quanto energético, quanto também (e mais profundamente) ético e ecológico.

Kopenawa, grande xamã yanomami, nos narra como a ganância dos brancos pela mercadoria teria revirado o fundo da terra, atrás do metal e do petróleo. Em sua extração e processamento, estes materiais do sub-solo libertam uma multidão fumaças de doença (xawara) e seus espíritos maléficos (xawarari) - envenenado a floresta, os Yanomami, e em seguida os próprios brancos, já que "a epidemia xawara prospera onde os brancos fabricam seus objetos e onde os armazenam" (2). Os espíritos de doença xawarari ficam de olho na mercadoria e onde ela vai, eles vão juntos, devorando os humanos de maneira cruel.




Fixados em nossos objetos, que se avolumam quase que sem propósito e em um ritmo insano, estamos despovoando as terras e destruindo as árvores, e matando a nós mesmos no processo.

Mercúrio, senhor de Virgem, se encontrou recentemente com Marte, que é recebido em sua casa, e com quem passou recentemente por uma conjunção. Energizado pelo contato com o planeta vermelho, é impulsionado à repensar cada um dos detalhes de nossa vida cotidiana e destruir o que é inútil. À isso se soma o fato de que o ascendente da lunação (em Brasília) está conjunto à Procyon, o "Cão Menor", da natureza de Mercúrio-Marte. Como os planetas em Virgem estão quadrando Saturno, o processo pode correr de maneira bastante lenta e cheia de entraves, causando irritação e impaciência. O exercício aqui é de humildade, afinal, só é possível tomar um ponto de partida - o lugar onde estamos, com todas suas limitações!


Quais os objetos de que realmente precisamos? Para onde vão os que jogamos fora? No signo de Virgem não é permitido espremer os olhos de modo à deixar passar inexatidão. Cada plástico criado e colocado em circulação é como uma interrogação irresponsável empurrada pras tramas da natureza ao nosso redor: mais uma casca morta à bloquear o ciclo das coisas vivas. Das buchas de lavar louça às sacolas plásticas, dos componentes eletrônicos aos carros, dos detergentes às baterias: produzidos e descartados em massa, como se não fizesse diferença. Mas aquela sacola vai entupir a garganta de uma baleia, aquela bucha vai se decompor em micro-plásticos que tornam a água venenosa.

Venus entrou também em Virgem, onde experiencia a sua queda. Com isso, temos os 3 planetas pessoais - ou seja, os planetas que agem no mundo sob o ritmo do fazer humano cotidiano - em Virgem. Com Venus aqui o deleite, a sobremesa, e a fruição são deixados pra segundo plano: governa a justa medida, e o conceito provado pela prática. No momento da lunação Venus se encontra conjunta à Regulus, o "coração do Leão", uma poderosa estrela guerreira. Entendemos amor e arte como se fossem diversão, indulgência, mas pelo contrário, amor e arte exigem tanto mais disciplina e exatidão econômica do que os demais aspectos do viver. Se por um lado submetermos a matéria ao puro cálculo sem temperá-lo com sensibilidade nos tornamos vítimas de uma monstruosidade inumana; por outro lado, a a estética tem de reconhecer-se também como uma ética (e partir para a prática!), ou se revela mera hipocrisia e presunção. Não basta ser bonito, tem de ser funcional - e 100% reciclável!




O encontro desses cinco planetas no mesmo signo se dá na Casa III (por signos inteiros) no momento da lunação em Brasília, enfatizando enquanto tema a comunicação. Isto vale tanto quanto à comunicação com os outros seres humanos como (para os misticamente inclinados) com os demais habitantes invisíveis deste mundo. O xamã, aprendendo a língua dos demais seres invisíveis, vive os dias à ressoar os cantos dos espíritos de cura - para que quem nunca subiu à abóbada do céu possa extender seu pensamento e entender claramente o mundo.

Por tratar-se de uma casa cadente (porém benéfica) pode ser que o momento ainda não possibilite ainda assumir totalmente as rédeas desses processos, mas é nosso dever pelo menos digerir o que significa isto tudo experimentando com a mão na massa -  quais as pequenas transformações, quais detalhes do cotidiano podem ser melhorados e sublimados.


(1) AGRIPPA, Henrique Cornélio. Três Livros de Filosofia Oculta. Madras, 2012.
(2) KOPENAWA, Davi. A queda do Céu - Palavras de um xamã yanomami. Companhia das Letras, 2015.

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