terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Rei em Trapos [Céu da semana - 20 a 26 de Janeiro de 2020]



A semana abre com o Sol adentrando em Aquário, o signo de ar regido por Saturno. O Sol é o olho da verdade, Saturno senhor do segredo. O Sol é o Rei, Saturno o seu inimigo. Não se enfrenta o rei em campo aberto. Aquário não é exatamente rebelde, revolcionário; apenas teimosamente independente. O Leão se apoia na força da mordida e de suas garras - Aquário tira poder da coerência das idéias em sua lenta acumulação.

O Sol deixa a caverna que é Capricórnio - o domicílio noturno de Saturno; o foco passa do signo mais móvel dos de terra pro mais fixo dos de ar. Esse trânsito é sempre estranho, tem um que de libertador; a extrema densidade de Capricórnio, que no final se prova tirânica, evapora; mas Aquário, assim como Capricórnio, ainda é casa (diurna) de Saturno; o Rei está morto, mas ainda estamos em grilhões. O Rei está morto? A escravidão acabou, mas seguimos presos a milhares de pequenos mecanismos de vigiar e punir. E de quem é a culpa quando o preconceito vem de um algoritmo? Com o Sol em Aquário somos convidados a refinar nossa compreensão do poder para além do óbvio; refinar a compreensão do poder político; do poder pessoal; do poder do passado sobre o presente. E será que se púdessemmos ver a terra a partir do Céu acreditaríamos mesmo que existe presente, um presente como algo separado do passado? Se o presente existe é sim como coisa nenhuma, como uma abertura e hesitação onde o passado curto-circuita.


Outros dois eventos marcam a semana. Na quinta-feira, Vênus e Júpiter terminam de se encontrar com um sextil. Vênus hóspede de honra - exaltada, gloriosa, em Peixes; Júpiter humilhado, em queda no signo de Capricórnio. Pode ser que uma pérola esteja escondida no lixão de sua vida; ali no que abandonou porque achou que não servia; infantil demais, ingênuo demais, só um sonho bobo. Pois é de sonhos bobos que essa Vênus compõe seu colar, e claro que é preciso um plano, definições, uma escada pra chegar do outro lado. Mas é vergonhoso esse medo que temos de sonhar grande! Se o ponto de partida é puro não existe sonho em vão! Mas esse ponto de partida precisa ser sempre acalentado, mantido em mente; um grande desafio em meio aos passos, fugas, desvios e esperas necessárias pra que qualquer coisa grande se materialize.

Sexta-feira a Lua termina de minguar em Aquário, e se encontra com o Sol. Começa uma nova lunação, começa fevereiro, começa 2020, finalmente. Mas os olhos do mundo, Lua e Sol, não vêem ninguém, só vêem Marte por um sextil. Um ano que já começa seco, cortando atrás das aparências - não me interessa se é feio, pobre, sujo, longe do ideal: eu quero a real, só me interessa a real. O Sol em Aquário é a real que o social não digere, é a mistura de bom e ruim, de monstro e herói, do dia e da noite - dá piriri. "Aqui é o fim do mundo", canta o poeta Gil, "Aqui, o Terceiro Mundo / Pede a bênção e vai dormir / Entre cascatas, palmeiras / Araçás e bananeiras / Ao canto da juriti / Aqui é o fim do mundo / Aqui é o fim do mundo / Aqui, meu pânico e glória / Aqui, meu laço e cadeia / Conheço bem minha história / Começa na lua cheia / E termina antes do fim"...

Iago Pereira
(imagem: cena de "¡Que viva México", Sergei Eisenstein - 1932)
(para ouvir: "Marginália 2", de Gilberto Gil)

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