domingo, 19 de dezembro de 2010

Wikileaks: Estamos vivendo um thriller cyberpunk



Assange: nem precisei procurar muito pra encontrar uma foto que fizesse jus ao meu argumento.

Tem muita gente que não está ligado no que tá rolando nessa história do Wikileaks, então vale dar uma idéia geral pra informar e rememorar. O meu ponto é que estamos vivendo um thriller cyberpunk - cheio de conspirações políticas e hackers e coisa assim - na vida real. Aliás, não demora nem meia década pra isso virar Hollywood, certeza (as coisas viram história muito rápido esses dias).




Vou colocando entre parênteses o nome dos bois pra facilitar vocês me acompanharem:

O protagonista é um fugitivo político (Assange), caçado pela maior potência do planeta (EUA duh) por ser o líder uma organização especializada em propagar informações confidenciais dos estados (Wikileaks). A polícia internacional recorre a uma acusação de estupro aparentemente forjada para perseguí-lo mundo afora. O protagonista se esconde nos grandes centros urbanos, hospedando-se com conhecidos e simpatizantes de sua causa, carregando consigo apenas uma mochila com um laptop.


Assange: "Espero que as pessoas julguem alguém não pelo calibre de seus amigos, mas de seus inimigos."

A conspiração para capturá-lo congela sua conta de banco; grandes empresas do setor de transferência de renda (Visa, Mastercard, Paypal) interrompem o fluxo de dinheiro de doações populares para o website que veícula as tais informações confidenciais. O site (Wikileaks né) é atacado por hackers misteriosos, possivelmente a serviço do governo; seus gestores tentam movê-lo para um servidor mais resistente (Amazon), mas sob pressão do estado a empresa propietária do servidor chuta a bunda do website.

Enquanto isso, pessoas ao redor de todo mundo começam a colocar cópias (mirrors) do site no ar para que ele permaneça acessível. Flyers provenientes do que pode ser o mais frequentado forum da internet (4chan) conclamam as pessoas a se reunirem em uma rede de computadores trabalhando sincronizadamente uma operação (Operation Payback) pra contratacar os websites das grandes empresas do setor financeiro, tirando-os do ar¹. Os participantes da operação referem a si mesma como Anônimo (Anonymous), intensamente influenciado por V de Vingança e pela cultura nerd. O movimento anônimo de "pessoas quaisquer" (provavelmente adolescentes em sua maioria. essa juventude as vezes me dá orgulho) consegue derrubar durante várias horas a "face pública online" de algumas empresas; alguns dizem que os ataques chegaram a afetar a própria rede de transferência financeira, colocando cartões de crédito sem funcionar em vários lugares do mundo. O protagonista é aprisionado e após alguns dias de protestos é liberado por uma fiança pra poder esperar o julgamento em liberdade condicional.

Assange de novo: essa é aquela clássica cena de reflexão.

É claro que se isso fosse um thriller, ia acabar com o Assange pilotando um caça e torpedando a Casa Branca. E, num fim glorioso, a população rejubilante daria a internets para Anonymous governar, constituindo assim o primeiro estado-nação virtual internacionalmente reconhecido da história. Mas na real, eu não sei como vai acabar. Já ouvi muita gente botando fé que o Assange vai rodar. Sei lá! Uma parte de mim até prefere que isso aconteça mesmo, porque pode forçar as pessoas a se radicalizar. Eu sou da modesta opinião de que precisamos de uma contracultura viva e atuante urgentemente ou em breve vamos estar vivendo em 1984, só que com nanomáquinas e chips no cérebro. Isso se o bug do milênio aquecimento global não chutar nossas bundas antes. E vamos lá, mesmo que Anonymous seja o que informa o estereótipo - um bando de adolescentes nerds gordos americanos mimados jogadores de WoW - ainda assim não consigo evitar de sentir que tem alguma coisa aí, um prenúncio, o surgimento em potencial uma nova arma pra sociedade civil. Se apenas 9 mil pessoas munidas de computadores podem fazer alguma coisa - o que poderia fazer com duzentos e cinquenta milhões?

Porém, percebo que Anonymous possui um ponto fraco. O coletivo não é de fato isento de líderes. Ele possui lideranças espontâneas e flutuantes, e segundo o The Guardian, uns poucos munidos de mais conhecimento informático que orquestraram os canais de comunicação e os aspectos técnicos dos ataques. Se isso é verdade, existem pessoas na operação que são "menos anônimas" que outras, tornando-se alvos fáceis para a criminalização por parte do estados-nação. Pessoas criminalizáveis são desbandáveis, basta pegar uns que os outros se cagam de medo. Afinal, o grande ponto forte dos ataques que foram executados (DDoS) é que é muito difícil descobrir quais são a massa de pessoas envolvidas nos ataques².

Mas talvez o mais interessante e surreal nessa história toda seja a abundância de discussões paralelas que dela emergiram; por exemplo, a escritora feminista Naomi Wolf escreveu uma carta aberta ostensivamente sarcástica à Interpol elogiando seu empenho na caça de caras que se comportam como "babacas narcisistas com as mulheres que estão namorando". Talvez seja a Naomi que não entendeu bem as acusações de estupro lançadas sobre Assange (eu também não, confesso. e super estou tentando entender), mas outras feministas não gostaram de ver acusações de violência contra a mulher sendo desconsideradas assim, de primeira - esse é um tema caro ao feminismo, advinhe porque. (não que a Naomi tenha mesmo feito isso. ela só tava sendo sarcástica com o esforço politicamente motivado da interpol e AH, não vale nem a pena explicar, é óbvio demais). Ou, pra dar outro exemplo da louca dispersão de assuntos envolvidos, vide a discussão sobre neutralidade da internet, uma vez que esse caso evidenciou quanto nossa inocente navegação de fato se passa sustentada por grandes corporações, dotadas de interesses bastante particulares e muitas vezes aversos à liberdade de expressão.

Mas acho que a principal discussão que vai sair desse caso é também uma das que menos vi sendo explorada a fundo - sobre a relação entre os estados-nação, democráticos ou otherwise, e a transparência. Mas isso eu abordo em outro post, em breve.

¹Os ataques realizados foram os chamados "DDoS", ou Distributed Denial of Service. Esse tipo de ataque se baseia em um mutirão de computadores contatar junto um servidor várias vezes por segundo, tornando-o incapaz de fazer qualquer coisa enquanto isso. Geralmente isso é feito usando o computador das outras pessoas sem que elas queiram, através de software malicioso - mas, no caso da "Operation Payback" você empresta seu computador voluntariamente pra Anonymous através de um programinha que te conecta a uma "colméia" que ataca junta, sem que você precise fazer quase nada. O programinha se chama "Low Earth Orbit Ion Cannon", ou "Canhão de Ions de Órbita Baixa". Gotta love these nerds.

²Pelo que entendi, o servidor que está recebendo o DDoS fica super atulhado com todos os IPs mandando informação, e se ele ainda por cima decide anotar o endereço de todo mundo que está requerindo comunicação ele se atrapalha mais rápido ainda e cair do ar, de modo que no fim não registra grande coisa.

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