sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Notas para uma Guerrilha Psíquica

Hoje fui escrever uma resposta a um comentário no Ensaio sobre a Insanidade Cotidiana e me alonguei... De forma que a resposta se expandiu num novo post. Segue aí o comentário em questão e a resposta (editada e expandida) depois da imagem.

Robert Steven Connett - Night Trawl

Hey, gostei do texto. Mais da forma, na verdade - reflexo de sua formação? Em exercício de observação posso arriscar em dizer que é um acadêmico de filosofia. Esse formato é agradável pois parece um protótipo de cultura.... diversa da minha e do cotidiano. Mas não é por este elogio que escrevo. Quero saber um pouco mais. Aqui há uma constatação - um tanto quanto óbvia, vale ressaltar. O que devo fazer, portanto? Desistir dos bens e ir viver numa terra erma? Pois é fácil alienar-se dessa insanidade..... Procuro um objetivo, o que sugere? (considerando atos, excluindo "colocar uma bala na cabeça") - Ass: Anônimo

Sou das ciências sociais, antropologia, "filosofia com povo dentro" como dizem alguns. Mas a forma deve mais (ao meu ver) à poesia beat, Ginsberg, Burroughs, ao surrealista Piva, um pouco de André Breton, tributos ao velho Henry Miller e outros que não lembro agora. Obrigado pelos elogios anyway!

Quanto às saídas: não acredito em fórmula única nem em planejamento de cima pra baixo; opto por apostar no desejo, na subjetividade como única bússola contra a objetividade do poder (e aí sigo os situacionistas, em especial Raoul Vaneigem em sua Arte de Viver para as Novas Gerações).

Há um tempo cunhei pra mim a fórmula Caos, Esquizoanálise, Mídia tática:

Esquizoanálise é um nome que uso genericamente pra falar das artes, ciências e processos de produzir "inversões de perspectiva", saindo da perspectiva do poder rumo a perspectiva do desejo. Um exemplo de esquizoanálise ocorrendo em larga escala foram os Ocupa Sampa, Ocupa Rio, e talvez outros. Mais sobre a palavra dá pra encontrar nos livros da dupla de filósofos franceses Deleuze & Guattari, difíceis de ler mas valiosos. Se for se aventurar por eles, recomendo os livros do Guattari (Caosmose é um que me vem à cabeça) ou pela (discutivelmente) obra-prima da dupla, o Mil Platôs. Mas exige paciência e não é uma linguagem que qualquer um vai ter fôlego pra dominar (tampouco há necessidade).
Mais coisas que provavelmente funcionam como esquizoanálises são terapias reichianas (como por exemplo as diversas terapias brasileiras Soma, Somaterapia e Somaiê, filhas e netas do anarquista Roberto Freire), algumas substâncias psiquedélicas como ayahuasca (conhecida também como "Daime") e cogumelo (Psylocybe Cubensis, o clássico cogumelo dos pastos), meditações (como o vipassana) e magia / magick (1), experiências autogestivas / autonomistas (como casas libertárias, squats, ocupas) e muitas outras experimentações que não lembro agora.

Caos é algo que vai acontecer, quer queiramos quer não, e está acontecendo, e contamos com ele pra misturar as coisas e fertilizar o solo. Caos é ruim quando o terreno está envenenado, e aí a desestabilização faz nascer fascismos - sejam microfascismos como "todos contra todos e cada um por si", sejam macrofascismos como "NÓS x ELES os imigrantes / terroristas /etc". Mas queiramos ou não, de novo, vão surgir essas coisas em toda parte. Aliás já está acontecendo na Grécia... Então a importância das esquizoanálises é influenciar para que, dado o caos, surjam mais saídas revolucionárias e menos saídas paranóicas-totalizantes-fascistas. Isso pode ser o diferencial pra evitarmos uma repetição das soluções políticas da idade média européia, só que dessa vez com radiação e agrotóxicos e nanomáquinas de guerra em toda parte.

Mídia tática é circular informação diferente das circuladas pelos grandes veículos de mídia: feminismo, antropologia anarquista, yoga, informações sobre rebeliões atuais, idéias que fogem às grandes vias do pensamento já estabelecidas, etc. Informação por si só não adianta em nada, se os corpos não estão dispostos a se apoderarem dela para fins de sua libertação & expansão. Porém, é uma parte indispensável do quebra-cabeça, porque palavras delimitam realidades, e a televisão faz crer que qualquer coisa fora do pseudo-consenso corporativo ou não existe ou é loucura - quando na realidade, há desvios em toda parte, mas não ficamos sabendo... Por sorte, soluções em mídia tática tem abundado nos últimos tempos, em tal nível onde acho que nos fiamos demais nessas soluções, e esquecemos da importância das esquizoanálises, de intervir nos corpos, desde nossos próprios corpos biológicos até nossos corpos coletivos pequenos e grandes (co-moradores, amigos, vizinhanças, cidades, etc).

Então, o meu triângulo é Caos + revolução dos corpos&coletivos + contrainformação. Cada um pode encontrar o seu caminho em seu desejo, anyway. Lutar, fazer frente, curar a tal insanidade, armar sua guerrilha psíquica: há um JÚBILO nisso, acho que o próprio desejo, o próprio impulso de vida segue naturalmente esse caminho - se não seguir, achemos outro caminho, porque a única revolução que acho valer a pena é a revolução baseada no impulso vital, na potência.




Tem quem vá querer meter a mão na lama e trabalhar a escuridão total das cidades: as margens sujas, as gretas poluídas, sitiadas, os lixões, os crackeiros e toda a cranqueira; tem quem vá querer ir pro campo e lutar lá, seja contra os interesses das corporações em pilhar e lotear as áreas preservadas e os restos das tribos nativas daqui; tem quem queira ir no campo pra pesquisar e experimentar construir comunidades do futuro, que possam fazer um futuro se inocular no presente distópico e de curto prazo que vivemos atualmente. Tem quem queira ficar meditando na montanha e se for seu desejo, faça! Ache seu jeito! Se você é uma pessoa a menos insatisfeita, explorada e miserável espalhando seu veneno na cidade, você já começou a ajudar. Não há solução única; só acredito em aberturas e no potencial de nos ligarmos pelo desejo, & pela vida, contra as cascas que se vendem por aí. Estamos perdendo, mas o fracasso faz parte do plano, e a luta tem de valer a pena em si mesma, pela liberdade que ela amplia a cada passo.

Termino dizendo que fomos educados pra servir & obedecer. De forma similar, precisamos nos deseducar dessa imposição autoritária, e nos re-educar para a liberdade. Isso exige tempo, esforço e pesquisa. Pra espontaneidade vital surgir é necessário muito planejamento! - mas ninguém que já deu uma festa na vida há de estranhar isso. Não há contradição alguma entre espontaneidade e planejamento, e - se falharmos... Falharemos com a tranquilidade de quem tentou e quiçá aprendeu algo.

Abraços!




(1) há linhas mágicas mais reaça e outras mais revolucionárias, vale pesquisar, se quiserem indicações me contatem pessoalmente. Infelizmente há muito pouco material em português, coisa que planejo ajudar a resolver em breve.

3 comentários:

  1. Não sei definir qual é o meu 'triângulo'.

    Meu sonho acho que é relacionado à educação. Mostrar às pessoas que a a perspectiva, e consequentemente a realidade que se forma ao redor dela, é tão moldável quanto massinha. É adquirir as técnicas de moldar a realidade, e passa-las pra frente!

    Poucas coisas me fazem sentir mais empoderado. Queria passar isso pra frente.

    - Frodelicious.

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  2. Lendo seu texto, e o comentário do Frodelicious, fiquei matutando aqui qual diabo é a contra-medida do CMI (Capistalismo Mundial Integrado, termo do Guatarri) e não precisei ir muito longe não para pensar em uma fórmula triádica bem potente:

    Insatisfação, Descrença e Preguiça; acho que essa combinação é o que faz paralisar os relutantes (como eu e muitos outros que acham tudo uma merda mas não encontram potência para se mover em outra direção)>

    Insatisfação é essa porra de falta que os filha da puta instaurarão no desejo, e que eu enxergo como sendo muito difícil de interromper a repetição.

    Descrença é a incapacidade de acreditar que vale a pena fazer diferente, ou que faz alguma diferença real fazer diferente, ou que é possível fazer diferente.

    Por fim, temos a preguiça, a falta de motivação que nos permite se colocar em uma zona de conforto para não fazer porra nenhuma em direção ao real desejo.

    Me impressiono quando penso o quanto essa fórmula triádica é presente em mim mesmo e aí fico pensando nos mecanismos oferecidos pelo CMI para que eles operem. Não deixo de reparar o quão sério é a contrainformação, que você destaca em sua fórmula triádica, pois a mídia é, sem dúvidas, a mais potente propagadora da descrença, da insatisfação e, por fim, da preguiça - e aqui incluo jogos, televisão, cinema, música e até mesmo literatura, essas mais mainstream (e ridiculamente comercial). E a mídia comba de forma potente com a forma como o trabalho funciona na nossa sociedade - um processo que verdadeiramente drena todas as suas energias.

    Sinceramente acho que o primeiro passo ao se pensar "o que devo fazer" (respondendo ao comentário do anonimo) é repensar sua relação com o trabalho e encontrar algo que permita que você sobreviva com qualidade (abrindo mão, é claro, de superficialidades) sem ter de doar 80% da sua energia vital.

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  3. Doidimais isso que tu disse, Jack, e eu adiciono que a insatisfação é biológica. A argumentação completa tá naquele livro do Reich que te passei pra ler, A Função do Orgasmo. A impotência não é (só) uma série de signos gravados em sua cabeça; ela tem uma base na função de tensão-carga-descarga-relaxamento do corpo, que é biologicamente inibido. Essa inibição se dá de forma muito simples: você repete uma opressão tantas vezes que o corpo automatiza a reação de defesa (medo), ou a contenção da agressividade ('não responda seu pai!'), ou enfim, de modo geral, você automatiza bloqueios ao fluir biológico do corpo. Esses bloqueios são, muscularmente, tensões ou relaxamentos crônicos (estagnados) que reduzem nossa potência e funcionam como uma armadura. O corpo faz isso segundo sua inteligência biológica, visando a economia; a resposta ao ser automatizada custa menos energia. Porém, logo que você está "livre", ou seja, não tem mais a ameaça do pai / professor / patrão / militar por sobre sua cabeça, você não consegue viver essa liberdade, porque a auto-inibição está lá e fora de seu controle. A incapacidade relativa de tensionar, ou de carregar, ou de descarregar, ou de relaxar cria vários padrões neuróticos que são tentativas de solucionar o desequilíbrio. A preguiça e a descrença me parecem surgir como resultado. Não há quantidade de informação que por si só permita a liberdade a um corpo, se esse corpo é incapaz de experienciar a liberdade em seu próprio fluir. Por isso, eu destaco muito mais a esquizoanálise que a mídia tática como necessidade de foco urgente; viver mais, falar menos. Isso vale como autocrítica pra mim também. Porém, obviamente, não anula a necessidade de contrainformação, que aliás é uma forma de fazer conhecidas as próprias esquizoanálises!

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