|
(arte: Hans Burgkmair) |
Rezam algumas tradições que o curso de ação mais virtuoso é a renúncia ao mundo e à sociedade:
o ideal ascético. Subir a montanha ou vagar no deserto, sacrificando a vida a um outro mundo no Céu ou na extinção do Ser no Nirvana: tudo menos esta bagunça aqui de fogo, lama, sangue e poeira.
É verdade, a mais nobre verdade, que a vida na Terra é
desprovida de sentido intrínseco. Que as idéias de duração, permanência, fixidez, são fundamentalmente ilusórias, assim como o "eu" que faz o sujeito da Cultura. Com isso estou repetindo os ensinamentos chave de Buda: Eu e Duração são efeitos de superfície, que não tem nada a ver com os fundamentos da vida ou da realidade. E a maioria absoluta das pessoas passa a sua vida inteira rastejando no superficial.
Similarmente, o que passa como "cultura" hoje - e talvez na maior parte da história civilizada - é de uma
pequenez de sentido que chega a doer. Quero dizer, as discussões porcaria da tevê ("Malhação discute o problema das drogas"). Mais uma geração de celulares, dessa vez com megapixels extra. Miniaturas de capacete. Vibradores em forma de super-heróis. Outro retrô nostálgico de outra década perdida. Roupas na moda este verão. Caetano estaciona no Leblon. "Porque ele não se mata de uma vez / pula logo deste prédio?" (essa frase eu ouvi várias vezes ontem). Até coisas verdadeiramente pungentes e baseadas em experiência vivida, como por exemplo o dilacerante legado da escravidão e do patriarcado, acaba diluído em briguinhas virtuais que gastam muito tempo de todo mundo e adiantam muito pouco. Tudo isso em eletrônicos cuja fome de energia justifica chutar os Munduruku pra fora de sua terra sagrada. Em petróleo cavado à custa de vazamentos de óleo como o da BP. Cuja mineração acarreta desastres como o assassinato do Rio Doce pela Samarco/Vale/BHP. Cuja produção é feita em fábricas com trabalho semelhante à escravidão. Cujos componentes tóxicos serão empilhados na Africa sob a alcunha de "reciclagem".