segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Gestos, Chaves e Nomes [Céu da semana - 22 a 28 de Dezembro de 2019]



Já era de tarde quando a Lua deixou Escorpião, signo de sua queda, e o mundo pode voltar a respirar. Pro natal fomos abençoados com uma Lua em Sagitário, signo de dádivas e filosofia. Mas é como uma ilha no terror que está os céus, e vai estar ainda por uns bons vinte, trinta dias. Pra quem não vem acompanhando: 5 dos 7 planetas em signos governados por maléficos. Agora, temos dois maléficos domiciliados, Marte e Saturno, o que nos permite um bocado de força pra aguentar, coragem pra enfrentar e malícia pra lidar com o mal. Mas todo esse poder negativo nos ajuda apenas a isso, sobreviver, e da vida e seus motivos, da fé no mundo ou no céu, do teatro invisível da criação - não ficamos sabendo nada.

Encontro consolo na idéia de que Capricórnio é um signo enigmático; assim como Sagitário, os únicos dois a que o astrólogo da antiguidade Vettius Valens dá essa alcunha. Quando o céu fica cor de chumbo, ao invés de sonhar e sofrer as com esperanças perdidas, sou chamado de volta a realidade pela noção de enigma. Estive relendo o Hobbit, o conto que o velho Tolkien cunhou pra suas crianças e depois transformou em livro. Em certo momento o pequeno hobbit está em uma caverna escura e úmida, totalmente perdido e esfomeado, onde é encurralado por um habitante da caverna, o decadente Gollum, que lhe desafia pra uma competição de enigmas. E o que é um enigma? No livro, os enigmas são em verso; meio punhado de versos que descrevem algo, de forma poética e nada óbvia. Um pedaço do mundo colhido como uma flor.


O enigma é apresentado assim, desenraizado, e nos desafia a invadí-lo, hábitá-lo, perdurar com ele em suspensão, tomar sua forma. Capricórnio, ele mesmo, é algo em suspensão. Meio peixe, meio bode, o que tem a ver? A maior parte da mitologia original do zodíaco se perdeu ainda com os Caldeus, seus criadores ou transmissores. Os próprios gregos conheceram já o zodíaco como enigma, a que buscaram prontamente vincular com seus próprios mitos (nem sempre de forma convincente). Por isso falar dos signos hoje, assim como a dois mil anos atrás - é como seguir rastros, habitar um enigma; criar. É quando a resposta não está pronta que somos empurrados a criar, com todo o risco que isso envolve.

Essa semana o Sol adentra Sagitário, e uma série de encontros lhe esperam, não sem seus próprios perigos. O primeiro encontro é a chegada da Lua em Capricórnio, na quinta-feira, o que dá início a uma nova lunação (ou mês lunar). Como o encontro do Sol e da Lua em Capricórnio se dá perto dos nodos, vamos ter um eclipse, que no entanto não será visível no Brasil, e portanto não tem grande importância pra nós. O eclipse se dá muito perto de Júpiter, que no dia seguinte, sexta, é finalmente engolido pelo Sol. O Sol é um símbolo para Deus enquanto uno; todos os outros planetas, todas as outras "fases" da criação tem começo, meio e fim - conforme retornam de tempos em tempos ao Sol, conforme renascem purificados do outro lado de seus raios. Já faz um par de semanas que Júpiter arde nos graus "ímpios" que o Sol vem a limpar, mas agora temos o ápice desse encontro, que por sua conjunção com o grau da lunação marca a temática do mês lunar inteiro.

Júpiter em queda. O que significa ter o Grande Benéfico encavernado, humilhado? No nível mais elevado: é o ocultismo. A religião secreta, esotérica. O ritual de iniciação: "beijar a bunda do bode". Uma fé que assume uma forma marginal, obscura, horripilante - como o bode hermético dotado de seios e acenos enigmáticos. Uma fé que brota no âmago da engrenagem, na trituração do mundo, e que resiste ao mundo. É preciso resistir a esse mundo pra que haja chance de um mundo vindouro. E por isso o segredo; e por isso os símbolos, sinais, gestos, chaves e nomes que destrancam tantas portas e fazem o acesso de câmara a câmara, estação a estação, do fundo da terra ao forro do céu.

E agora o Sol, esse olho de Deus, queima tudo de ímpio que já se agregou em torno desse Júpiter em queda. Júpiter mira alto, altos ideais; nenhum é tão alto quanto Deus. Júpiter é generoso, quer doar: não há presente que possa se comparar à pura doação que é o próprio Sol, fonte da vida. Júpiter protege, consola, pacifica; mas aqui no mundo dos "mil seres", toda paz é na melhor das hipóteses uma trégua. Está certo também que Júpiter em queda nem sempre é tudo isso que suas expressões dignificadas pretendem, e aí vemos confundidos a fé e o interesse material, o desejo egoísta e o bem geral; os altos ideais se revelam hipócritas, e a dura realidade nos cospe na boca. Vem o Sol, e de repente, eu sou esse bicho, esse bode, essa coisa horrível que não soube bem articular o enigma da vida, e pendo desenraizado numa terra estranha...

Os antigos dizem que quando Júpiter queima nas chamas do Sol, ele encara isso como uma dor que precisa ser suportada pelo bem. Não deixa de ser sorte que o Sol venha a ter com Júpiter tão no começo de sua queda, e que do encontro do Sol e da Lua ganhemos um mês pra descompactar esse enigma.. Seria bom se fosse só isso, mas no caminho do Sol em Capricórnio ainda teremos algumas armadilhas, segredos e tentações a serem descobertas. Orai e vigiai...

Iago Pereira
(imagem: Aleksandra Waliszewska)

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