quarta-feira, 13 de março de 2013

Fracasso, Experimentações e Foucault ao contrário

Uma hora aprendi a lição: ao invés de repetir os mesmos argumentos em TODA discussão que eu arrumo (geralmente com reaças) no facebook, melhor criar um post-repositório com os argumentos que sempre se fazem necessários, e linká-lo segundo a necessidade. Voilá! Pra quem não é reaça, pode servir pra afiar as idéias em temas polêmicos.


"Eu poderia comer uma cuia de sopa de letrinhas
e CAGAR um argumento melhor que isso"

FRACASSO

Quando se trata de falar 'dos anos sessenta', sempre topamos com o bordão do fracasso: "o movimento hippie fracassou". Tipicamente, conclui-se disso que não adianta nada experimentar soluções alternativas aos problemas de nossa sociedade. De fato, as previsões mais otimistas de que o movimento ia se espalhar até engolir a sociedade inteira não se cumpriram, mas isso não significa nada de nada.


Imagine que em Haigh-Ashbury - o bairro hippie da São Francisco sessentista - haviam comunidades se formando 1-sem dinheiro, 2-entre pessoas desconhecidas que estão sempre chegando e saindo, 3-em prédios velhos e deterioriados, 4-por pessoas que eram ideologicamente incapazes de se defender pra expulsar um agressor ou um parasita (pacifistas), 5-e a maioria das pessoas tinha por volta de 20 anos e tinha acabado de sair da casa dos pais, após uma vida de educação autoritária. Essas condições realmente não são favoráveis pra convivência libertária. Ainda assim, muitas pessoas tiveram experiências valiosas nessas comunidades, e talvez não consideram que sua experiência foi um 'fracasso', ou não apenas 'um fracasso'.
Fracasso ou sucesso depende do que você está buscando.

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Nesse momento, tem quem argumente que a medida de sucesso do movimento hippie, ou de suas comunidades, tem de ser a duração. Elas acabaram, certo? Então falharam! Mas aqui, tudo termina depois de um tempo. O império romano foi um 'fracasso' porque depois de centena de anos, caiu? Sim, em algum momento ele 'fracassou' em se manter, mas isso não anula nada do que se passou antes, em toda sua complexidade. Um casamento que dura 40 anos feliz, e depois tem um período ruim e termina - foi um fracasso? E todas as vidas humanas fracassam, pois morremos...?

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Aí contra-argumentam que o movimento 'fracassou' porque os próprios hippies cresceram, perceberam que tavam viajando na batatinha e se tornaram engravatados yuppies. SIM isso realmente deve ter acontecido com uma bucetaiada de gente, mas...
A maioria dos hippies em 1968 eram "teeny-boppers" (como chamavam na epoca), hippies de verão, adolescentes ou recêm saídos da adolescência, sem muito contato com as idéias que os hippies mais maduros exploravam, jovens cuja experimentação era bastante ingênua. Por exemplo: os teeny-boppers não distinguiam entre anfetamina e LSD, enquanto os hippies mais "cabeça" sabiam que nem toda droga dava na mesma.
Não me surpreende que muitos teeny-boppers tenham envelhecido e simplesmente tenham rechaçado a coisa toda como viagem de jovem, o que no caso deles, possivelmente era, mesmo. Mas não pra todos, e tinha gente muito cabeça pensando muito profundamente a sociedade, a vida e tudo mais; acho que desses, poucos 'voltaram atrás' sem transformação alguma.

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Mas enfim, não quero dizer que devemos abdicar de pensar o "fracasso" - bem pelo contrário! Há que se discutir o que queremos, como queremos, o que fazemos pra chegar lá, e aonde fracassamos nesse processo. Quando um experimento científico 'dá errado' (em relação a sua hipótese), você não conclui que 'ciência é inútil' - pelo contrário, você se debruça sobre o problema, e desenha outros experimentos, pra descobrir aonde foi que deu errado. Deveríamos abordar a experimentação social da mesma forma!

"Você tá vindo pra cama?""Não posso. Isso é importante."
"Que?" - "Alguém está errado na internet." (link)


PASSE DE MÁGICA

Levou uma vida de educação autoritária pra nos tornarmos dóceis o suficiente a ponto de aceitar (e achar normal) a dominação do patrão e do Estado. Daí, tem gente que quer que a educação libertária desfaça isso em 5 segundos, como num passe de mágica! (essas pessoas estão com o bordão do fracasso no aguardo, ansiosas de carimbar quaisquer experimentos e voltar logo a sua mediocridade confortável). Quando as pessoas se juntam na proposta de se articular de forma libertária, elas vão ter de desfazer todos esses maus-hábitos hierárquicos, adquiridos ao longo de toda uma vida. Não existe mágica, existem experimentações, riscos, reflexões - processos, enfim.

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Educar libertariamente não é educar "sem limite". Na educação libertária, os limites são definidos pelo consenso entre as diversas vontades/liberdades envolvidas (incluindo a dos pais E a das crianças, no caso da família). Os defensores da educação autoritária sempre pintam quadros horrorosos sobre os perigos de "educar sem limites"; quadros estes que podem até corresponder a realidades, mas  não tem nada a ver com educação libertária. Os defensores da educação autoritária acham que a alternativa a reprimir é se submeter - e assim, submetendo-se à criança sempre, criamos sim pequeno ditador. Claro que isso não faria bem nenhum à criança, afinal, se a educação deve prepará-la pra vida, ela deve se preparar para encontrar vontades distintas da sua - e seria irrealista criar nela a expectativa  de que os outros vão submeter-se a ela. Como eu disse antes, não há nada de libertário nisso: é apenas inverter os lados da educação autoritária, mantendo a estrutura opressiva intocada.

FOUCAULT AS AVESSAS

Se você impede o opressor de oprimir, não está se igualando a ele, nem tornando-se um ditador; você está fazendo o contrário dele. Mas o opressor vai tentar fazer parecer que sim; que ele está sendo terrivelmente oprimido, ao ser impedido de oprimir (lol). Ex1: alguns cristãos que se acreditam perseguidos por uma "ditadura gayzista". Ex2: machistas que acha que impedir que papel de gênero sejam impostos às pessoas é uma opressão por sobre os impositores.

mais didático impossível. (fonte: desconhecida)

(ah, o que tem a ver Foucault com isso? - uma anta estava aí bradando pela internets que: quando um feminista acusa a opressão de gênero, ela está fazendo parte do 'discurso' disciplinar e homogeneizante que se infiltrou na vida privada! Foucault pra legitimar opressão de gênero, coisas que só a internet pode te oferecer)

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Mas agradeço à tal anta por ter me dado o incentivo que faltava pra compilar esse post.

Um comentário:

  1. Muito interessante a reflexão sobre o fracasso! Alain Badiou faz algo bem próximo disso no seu livro A Hipótese Comunista -- ele diz que devemos parar de tratar o comunismo especificamente como uma "ideologia" e tratá-lo como uma hipótese, nos moldes da ciência (que são testadas, fracassam, mas não são "superadas" pelos seus erros, mas são construídas e melhoradas POR CAUSA dos erros); sair dos termos do poder do sucesso e pensar os fracassos positivamente, como inadequações, erros, e não como algo que mostre que a ideia não serve de nada.

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