Perguntei ao I-Ching: "Qual a pertinência do Livro da Lei para a humanidade?"
Meu resultado foi o hexagrama Sung, "Conflito", com a 4ª e a 6ª linha móveis, que nos conduzem ao hexagrama Kuan, "Contemplação":
CONTEMPLAÇÃO
"O desvelar da compania do paraíso" (segundo verso do Livro da Lei).
"Eu sou o Céu, e não há outro Deus que eu, e meu senhor Hadit". (assim diz Nuit no Livro da Lei)
"Quando as coisas são grandes, pode-se contemplá-las.", completa Confúcio. (1)
JULGAMENTO:
"CONTEMPLAÇÃO. A ablução já foi realizada, mas ainda não a oferenda. Confiantes, eles erguem o olhar para ele."
Nos comentários confucianos, assim se diz: "Dedicado e suave. Central e correto, ele é digno de ser contemplado pelo mundo. (...) Os que estão abaixo olham para ele e são transformados. Ele lhes propicia uma visão do divino caminho do céu, e as quatro estações não desviam de suas normas. Assim, o homem santo utiliza a via divina para fornecer ensinamentos, e o mundo inteiro o acata. (...) O rito de sacrifício é revelado aos humanos e por eles contemplado. O homem santo conhece as leis do céu. Ele as revela ao povo, e o que prediz se realiza."
As duas linhas fortes que estão no topo correspondem ao Rei (que no Livro da Lei é a pessoa soberana de Si), e seu Templo (Sua "Kiblah", ou interseção com o Sagrado).
Wilhelm informa que o trigrama nuclear (2) Ken, "Montanha" significa também mão, e este trigrama está centrado no trigrama superior Sun ("Vento"), que conta entre seus significados a pureza. O Livro da Lei "purificou as mãos da humanidade", ie., purgou das práticas as superstições do velho Aeon - este é o significado da "ablução".
O trigrama "Vento" tem como atributo a penetração, e está sobre o trigrama Terra (K'un), que é todo composto de linhas Yin, vazadas; pura receptividade. As duas linhas ao topo - o Rei e seu templo - "penetram" o povo (Kun/Terra é o povo), como os ventos espalham uma mensagem ao mundo, incitando a devoção (outro sentido de Kun/Terra).
Já o "Sacrifício" significa tornar algo sagrado. A Lei foi anunciada, declarando em quais cabeças caem as Coroas de nossa Anarquia Coroada, ou seja, em que pontos a vida humana intercepta o Divino. Este é o sentido do Rei em seu Templo.
IMAGEM:
"O vento sopra pela terra: a imagem da CONTEMPLAÇÃO. Assim os reis da antiguidade visitavam as regiões do mundo, contemplavam o povo e o instruíam."
Ao que tudo indica, o I-Ching endorsa o Livro da Lei entusiasticamente! - e o Livro da Lei engendra seus próprios profetas. Eles ensinam, mas não pregam. Faça o que tu queres há de ser o todo da lei.
Em termos preditivos, nosso resultado parou aí. Porém podemos dar um passo adiante, e estudar as características de cada uma das seis linhas desse hexagrama (Contemplação), para que entendamos suas possíveis mutações, quais os encontros possíveis nesse tempo. Assim somos capazes de disinguir os caminhos da Contemplação que são "coroados" e os que levam ao infortúnio, ou não favorecem a plena manifestação do jogo divino.
No caso deste hexagrama, e contando de baixo pra cima,
a primeira linha lê-se:
"Contemplação pueril. Para um homem inferior, nenhuma culpa. Para um homem superior, humilhação."
As massas não querem encarar seus desconfortos, em vias de explorar os picos e vales da vida ativa. Seguem na êstase de sua energia sexual e agressiva domesticada. Aproximar-se do Livro da Lei requer a capacidade de olhar através de um choque, de um deslocamento de energia. Gurdjeff dizia que a verdadeira maturidade começa quando somos capazes de manter a mente em relativa independência dos fluxos de humor, capazes de enxergar além do momento, mesmo que não possamos ainda agir com base no que inteligimos. O verdadeiro trabalho espiritual começa a partir daí, na próxima linha.
a segunda linha segue:
"Contemplação através de uma brecha na porta. Favorável à perseverança de uma mulher."
Aqui o I-Ching refere-se a uma compreensão específica ao contexto cultural da escrita do I-Ching (seu próprio rastro do velho Aeon - o oráculo é ancestral, mas os textos das linhas foram obra de um estadista!). Trata-se do confinamento das mulheres ao espaço doméstico. A aproximação do Livro da Lei nesse nível ainda é bairrista, limitada (enxerga-se o que se quer ver), mas há uma semente de sinceridade que é favorável (segundo Wilhelm, no I-Ching, o termo "favorável" significa "que conduz à revelação do Ser", ie., à realização da Verdade, ou Iluminação.) Continue olhando pela fresta que com o tempo você perceberá.
na terceira linha:
"A contemplação de minha vida decide entre progresso e retrocesso."
Aqui a Lei já está sendo compreendida o suficiente para afetar as ações, e é portanto nas ações que a compreensão precisa se provar. Neste ponto pessoa já é capaz de, minimamente, se por ao lado de si, e se pensar sem medo, para além dos confinamentos subjetivos, e avaliar a si mesmo com desapego. Mas ainda estamos no trigrama inferior, aproximando-se da zona de influência do Rei e de seu Templo.
quarta linha:
"Contemplação da luz do reino. É favorável exercer influência como convidado de um rei."
Neste ponto você usou a lei para verdadeiramente mudar de modos (e de mode, para os nerds); a partir daqui está vivendo a vida como alguém "convidado" pelo universo a jogar. Espera-se que saiba se portar, que faça o seu papel. Isto não é tarefa trivial; nesta altura a verdadeira soberania ainda não foi conquistada.
Isto ocorre apenas quando atingimos a...
quinta linha:
"Contemplação de minha vida. O homem superior está livre de culpas."
Aqui a verdadeira soberania de si, o que Jung chama Individuação, foi enfim efetivada. As várias tendências da mente e do corpo estão unificadas segundo uma vontade unívoca, em harmonia com os fluxos e demandas de cada tempo. Isto é o que o I-Ching chama de "Homem Superior" (termo que calha modificarmos, pois remete às limitações do velho Aeon e das imposições patriarcais).
Na sexta linha o sábio da o passo definitivo:
"Contemplação da [sua] vida. [A pessoa superior] está livre de culpas."
[os colchetes são meus. pretendo evidenciar que a escolha de tradução de Wilhelm é inadequada ao sentido desta linha.]
Aqui a vida é acessada pelo Mestre em seu "plano de consistência", onde tudo é e sempre foi perfeito em sua imperfeição, Samsara é Nirvana. Quem age e observa aqui é NEMO (ninguém); o Universo um puro devir imanente, para além de qualquer identificação. Esta é a possibilidade mais nobre de uso do Livro da Lei: "Nada amarre! (...) Que não seja feita diferença dentre vocês entre uma coisa e qualquer outra coisa; pois daí vem então sofrimento." AMN!
(1) Ou pseudo-Confúcio. Wilhelm diz que é difícil saber se as palavras são dele ou dos estudantes dele.
(2)" Trigrama nucleares" são 2 trigramas formados por respectivamente a 2ª, 3ª e 4ª linha do hexagrama, contando de baixo pra cima, e a 3ª, 4ª e 5ª linha. Eles dizem de quais as condições que sustentam um dado tempo.
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