terça-feira, 8 de setembro de 2015

Impressões da Praia da Estação de Ontem

Foto: Diogo Dias Soares (link)

Como tem gente estilosa em BH. Década entra, década sai e de repente a moda me alcançou! - & eu me vejo em uma Belo Horizonte cyberpunk, tipo as visões afrofuturistas do Parliament/Funkadelic, ainda aquele clima estranho de mistura de classes e movimentos que caracterizou o caldeirão (contra/multi)cultural do viaduto, e veio a semear as revoltas de 2013 pelas bandas daqui.
Numa beirada da Aarão Reis um par de DJs (brancos) fazia música eletrônica, coisa boa, feita-na-hora sabe-se lá por que engenho, e sai um resultado tão a cara do ChocoChurros​ (minha banda 8-bits que desde o início só quase existiu) que eu me sinto redimido por ter falhado em marcar presença pública com meu som. Dancei um desbalde. Uma coroa bêbada e de classe baixa se apaixonou por mim, tentou beijar minha boca um par de vezes (contra minha vontade), e banharam minha roupa de catuaba. Teve cumbia, teve "Tropicália" e "No Rain" do Blind Melon remixados. Enfim. Eu estava em meu lugar.


Mais pra dentro tinha outro rolê, ainda mais roots. As bicha preta no centro da roda a-ha-zan-do no funk, e ali tinha as preta mais estilosa de todo o rolê.  Enfim! a favela desceu pra praia - não em peso, mas em partes - em suas franjas alternativas e catuabeiras. É inegável a herança da cultura hip-hop, mas numa faixa de frequência que já deixou pra trás a dureza da "cultura das ruas" machista e masculinizada.
Confesso que tenho inveja. Cresci num deserto, quando piercings, tatuagens e cabelos coloridos eram sinais de desajuste ou da obra de satanás. (Isso foi antes da Globo/Neymar tornarem moicanos aceitáveis). Discussão de política? Se importar com a vida (ou levar qualquer assunto a sério) era brega no fim dos 90 e primeira década dos 2000. Era guerreiro quem sustentava qualquer contestação (como de gênero ou raça), em meio a uma sonolência tão profunda. Eu mesmo era super coxinha, nos labirintos argumentativos de minha própria bolhinha de classe média. Todos viviam nas suas bolhinhas. Claro, a gente (os malucos) saía pra praça, basicamente pra beber, falar merda. Era todo mundo punk, gótico ou metaleiro. A perifa ja tava lá nas praças centrais também, embora também só em partes. Mas era tudo terrivelmente pequeno, e insular, e fragmentário. Uma aberração bêbada e barulhenta em meio à uma Belo Horizonte católico-espírita dominada por um ideal grotesco de classe média.
Foi minha geração que em grande parte ajudou a criar isso que tá aí. Esse desbunde de rua. Eu mesmo (que só fui radicalizar tarde) passei uns bons anos obcecado em "como criar as condições pro surgimento de uma contracultura?" Arando solo seco, chamando os mesmos gatos-pingados de sempre pra ocupar a rua e questionar. (Isso, eu vi do lado classe-média da urbe; não sei como tava sendo nas perifas, em simultâneo.) A coisa atingiu um estalo crítico com a Praia da Estação, que catalizou todo o caldeirão do viaduto, e cuja primeira faísca (ou assim rememoro a história oral) surgiu de um chamado aberto e de um fatídico encontro no Ystilingue (com os mesmos gatos-pingado de sempre).
Enfim 2013 veio, e passou. Eu sei que passou, que a ebulição inicial deu espaço a uma terrível dispersão e sectarismo. As bolhinhas voltaram com tudo, ao menos no que tange a minha geração. Meus contemporâneos (de classe média) em sua maioria estão trabalhando, tomando vinho em casa, criando suas crianças no Capão, e não poucos deles desenvolveram horror a política e palavras de ordem, ocupação, presença na rua. Saldos de 2013... Em grande medida eu me conto entre esses. Mas eu sempre soube que, quando todos meus amigos tivessem casados, eu ia ser daqueles malucos que somehow continua andando com os jovens. Aquário demais no meu mapa. Então mesmo politicamente desacreditado e já bastante isolado há um par de anos, lá estava eu na praia mais estranha & cyberpunk que já vi, dando rolê entre uma maioria de novinhxs, e me perguntando: o que será que significa, pra essa galera, usar esse visu aí mucho locco?

George Clinton, do Funkadelic, aprova o seu visu!

Quero dizer, o alternativo está na moda. Outro saldo de 2013; a direita subiu e passou a dominar a estrutura; a esquerda se fragmentou, dissolveu, e passou a agir novamente por baixo, fluindo pelo "molecular". Para bem ou para mal, e com tudo que isso tenha de efêmero e fútil, nunca o paradigma foi tão pró-granola, pró-meditação, pró-astrologia, pró-feminista pró-ocupação, pró-cabelos coloridos, pró-vegetarianismo, pró-poliamor, anti-polícia, e anti-partido. Aí, será que nós vencemos? Era isso que queríamos tanto, certo? Óbvio que não, os poderes-vigentes ainda estão lá com todas as armas, e continuam a matar gente preta e índia impunemente todo dia, e o planeta continua a caminhar roboticamente rumo a um colapso ecológico. Mas no mínimo (e isso é um chamado à minha geração), devemos aproveitar o momento de glamour. As barreiras que nos isolaram terrivelmente estão bem mais porosas e flexíveis. As pessoas mal ou bem estão se escutando com menos preconceito. Há quiçá alguma abertura pro diferente. Se a praia "despolitizou", então vamos lá conversar com quem está lá, e ver quão fundo é esse buraco!

Por outro lado, a visualeira e toda essa afecção cosmética pelo diferente pode ser só isso: visual e cosmética. Afinal, as pessoas são fundamentalmente as mesmas, entra década e sai década, entra século e sai século. (Ah! A sabedoria das eras, tão confundida com pessimismo e melancolia. Estudar história me liberta, sim, das esperanças vãs).  Quando estava todo mundo massacrado pelo consenso midiático noventista fim-da-história, usar roupas estranhas e propor outras conversas, outras corporeidades, musicalidades, ou simplesmente estar na rua -  isso tudo significava algo em específico. O preço a se pagar não era pequeno por ousar uma dissidência. Quem estava na dispô de quebrar com a fachada, tinha de ter sérias razões pra tal. A ruptura cosmética, em si, não significa nada. Mas eu usava, usei e uso do choque visual pra transmitir sentimentos e percepções que me eram básicos, fundamentais, era algo conquistado com sangue e com garras. Era como lutar por ar.

Agora que o ar está aí, que bom, fica mais fácil pra respirar. Não sei se us novinhe tão buscando alternativa, ou contrapor-se ao que tá posto, ou mesmo, como definem, como e se conceitualizam o que tá posto, e o que significa desviar do que tá posto. Não sei se as novinhe já fizeram a teoria disso, ou não. Não sei se toda essa visualeira tem coração (se é true, como diziam na minha época). Não sei também se a farra da nova e da velha classe média, a lixaiada largada na rua, se isso tudo realmente configura alternativa ou se é só um tipo mais enfeitado de gaiola, distração enquanto os poderes-vigentes ainda tem as armas e o poder de mando, tanto objetivamente quando nos corações das pessoas, e continuamos rumo ao colapso ecológico. Talvez seja tudo terrivelmente fútil, os mares e humores da juventude urbanizada de uma babilônia totalmente sem futuro. E sim, bem, no fim é isso... Mas entre aqui e o fim tem um processo, e eu quero vivê-lo de coração aberto, pra morder e pra amar, e que a idade traga cada vez  mais sabedoria, entendimento, e menos pretensão.

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